sexta-feira, 2 de julho de 2010

Dentro de uma camiseta celeste

Os Uruguaios não conseguem perder a alma, nunca souberam se entregar. Eles sabem acreditar. Eles sabem silenciar estádios. Prá mim, a celeste é e sempre vaiser muito mais mística do que a amarelinha.

"E então, o árbitro deu uma falta que não existiu. Não lembro quem cobrou. O fato é que a bola foi para a área celeste. Muslera saiu mal. Sobrou para o ganês. Ele defendeu com o joelho. Adiyiah conseguiu o rebote e chutou para o gol. E Suárez defendeu. Suárez, o atacante defendeu. Pênalti para Gana. Classificação para o Uruguai.

Quando um jogador de linha, ainda mais um jogador importante como Suárez, defende com a mão uma bola na linha do gol no último minuto da prorrogação, ele simplesmente joga toda a sua fé na esperança. Se a bola passa, acabou a Copa. É preciso um último recurso, a última chance, a cartada final. É a morrer. A morir. É assim que Suárez foi ensinado a jogar, e por isso ele não teve dúvidas. Defendeu a bola. Saiu chorando. Eliminou o Uruguai da Copa? Classificou o Uruguai às semifinais.

Isso porque ele deu uma última chance à mística. Schiaffino sorriu. Obdulio vibrou. Cea, Nasazzi, Abdón Porte. Todos pararam em frente a Asamoah Gyan, um dos mais brilhantes atacantes dessa Copa, e disseram: não. Estava diante de Muslera Gyan, as vuvuzelas, a África inteira, o mundo e todo o destino possível. Toda a lógica. Pênalti aos 15 minutos da prorrogação. Acabou. Acabou?

Trave.

E Suárez apareceu vibrando, sozinho. Sem abraçar ninguém. A maior vibração da sua vida, talvez. O maior alívio, certamente. Vibrando sozinho, na saída do túnel. Sem ninguém para acompanhar, a não ser um delegado da Fifa incrédulo. Suárez defendeu a bola, foi o segundo goleiro, classificou o Uruguai e escreveu sua página na história de todas as Copas do Mundo. Suárez poderia ser um atacante promissor do Ajax. Tornou-se uma lenda.

Uruguai x Gana, até agora, é o maior jogo da Copa, e talvez de todas as últimas quatro Copas. Não sei quantas, é difícil dizer, mas o fato é que eram dois times que, conscientes das suas limitações e da enorme vontade de fazer história, jogaram muito mais do que o enfado. Jogaram praticamente a chance de viver e a chance de escrever um nome no livro eterno da Fifa. Uruguai e Gana agradeciam por estar ali, quando entraram em campo, e lutaram pela história em cada segundo do jogo. Marcaram demais. Atacaram o tempo todo. Era lá e cá. Chutes a esmo, 200 escanteios uruguaios, chances e mais chances. Não parava a Jabulani, quase nunca.

O gol de Gana foi no final do primeiro tempo, merecido, foi um grande primeiro tempo. Mas o Uruguai voltou bem melhor no segundo, e com uma bola parada, uma falta de Forlán, conseguiu o gol. 1×1. Resultado justíssimo. Na prorrogação, dois times mortos continuavam tentando. Por que não se matam cavalos? Isner e Mahut. Tentavam, e tentavam, e tentavam, sem parar. 1×1. Prorrogação.

O cenário que foi descrito no primeiro parágrafo desse texto poderia resumir tudo o que foi essa Copa do Mundo, mas havia mais. Havia uma decisão por pênaltis. Gana jogando a África, Uruguai jogando a mística. Jogadores de segunda classe no contexto mundial, aquele contexto que escreve capas de revistas, de jogos de videogame, de filmes, de bandeiras, de banners de marcas de roupas esportivas. Nenhum deles estava em campo. Eram dois times. Não tão grandes no futebol, mas gigantes na vontade, e que fizeram do futebol um esporte ainda maior. Por que tentaram, e jamais desistiram.

Asamoah Gyan, que perdeu o pênalti, foi o primeiro a cobrar. E com macheza, marcou o gol. O Uruguai foi convertendo. Mas havia Fernando Muslera no gol, de amarelo. Que pegou o pênalti de Mensah, e ainda um outro. Para encerrar, Loco Abreu. Há milhares de maneiras de bater um pênalti decisivo. Loco Abreu resolveu dar uma cavadinha. 4-2.

Galeano vai escrever uma Bíblia sobre esse jogo. Mario Benedetti, estivesse vivo, escreveria uma antologia. Schiaffino e Obdulio sorriem. É a mística celeste de volta. No deboche de Loco Abreu. Na garra de Forlán. Na inteligência decisiva de Muslera.

E especialmente, na coragem de Luís Suárez.

Fosse eu Joseph Blatter, entregaria a taça no final desse jogo. Acabou a Copa.

Até a vitória"

Texto de Luís Felipe dos Santos retirado do blog Impedimento

"Queda-te tranquilo Obdulio, los muchacho no te van a dejar cambiar la história"

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