domingo, 24 de dezembro de 2017

A volta ao mundo em quatro vinte dias

       Quando pisei aqui nos alpes, eu disse a mim mesmo: -Falei que voltaria. O velho mundo é minha melhor fuga. A França me trata como um estrangeiro e parece que nem eu nem ela estamos dispostos a mudar isso num futuro próximo. Depois de duas semanas aqui, durante a noite mais escura do ano, encontro uma cigana vendendo bolsas numa banquinha em frente ao bar que os guris iam tocar.  Na minha bagagem pra cá trouxe uma característica bem peculiar: Qualquer pessoa que me olha por 5 minutos consegue ver através da minha máscara. Isso explica como uma pessoa pode me olhar e perguntar em francês e depois em inglês: -Por que tanto desprezo no olhar? Em algum momento da conversa ela cansou das minhas respostas evasivas ou do meu tosco inglês e quando ela pegou minha mão para ler, expliquei que minha mão direita não tem graça nenhuma. Tudo de legal está na esquerda. A mão que eu me defendo. A mão que tem as marcas da minha raiva quando eu escrevo com ela. A mão que segura o Virgílio quando ele precisa tocar sozinho.

        Ali estava eu, sentindo frio até os ossos, com a lua de cabeça pra baixo e com as estrelas todas erradas no céu. Ouvindo minhas verdades em outra língua. A cara de surpresa de uma desconhecida com coisas que me são óbvias me divertiu por um tempo. Mas eu não podia fingir que o que ela me disse não tem peso.

Me desmonto e me reconstruo. A neve e a montanha vão ter que servir assim como a areia e a água salgada serviram antes. Quando olho pro céu pouca coisa faz sentido, mas quando me olho no espelho, sinto quase a mesma sensação.

domingo, 10 de dezembro de 2017

A maioria das pessoas é louca aqui

         Ironicamente, sinto nos alpes uma sensação muito parecida com a que sinto na praia, e demorei 2 dias pra entender o motivo. Houve certas noites de inverno em que eu fui pra praia. Dentro do mar gelado, quando a luz da lua não ajuda, existe um ponto onde não dá pra ver as ondas chegando. E cada onda que bate vem com mil agulhas de frio que queimam. Quando isso acontece, por uma fração de segundo, o corpo perde o controle e tenta se encolher e frio. E aqui , a temperatura de -15º produz um efeito parecido se eu me distraio em certos momentos.

        E  o mesmo vento que gritava comigo na beira da praia, aqui sussurra enquanto brinca com flocos e neve. Ele parece feliz. Tudo é novidade. A neve é uma metáfora gigantesca. Parece que a qualquer instante, uma lebre vai passar por mim, com um casaco de lã e atrasada. Ou um sorriso pode ficar visível em algum gato. Ou talvez, só talvez, o sorriso dos loucos seja o meu próprio.

"Mas eu não quero me encontrar com gente louca", observou Alice.
" Você não pode evitar isso", replicou o gato.
"Todos nós aqui somos loucos.Eu sou louco,você é louca".
"Como você sabe que eu sou louca?" indagou Alice.
"Deve ser", disse o gato, "Ou não estaria aqui".

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Pra deixar de ser mimado

            Uma X32 na minha frente.. é só uma mesa de som.. botões e volumes e um tela.. mas ela simboliza tanta coisa. Foi a primeira mesa que pedi ajuda pra aprender como ela funciona. E, mais do que aprender a operar nela,  eu aprendi que tinha amigos onde menos esperava e que eles me ajudam muito mais do que deveriam. Com ela fiz meus shows mais na pressão pra que tudo ficasse bom. E contra toda minha falta de fé em mim mesmo... eles ficaram.

          E entre quinta e sábado, foi tudo se ajeitando conforme o tempo ia passando. Considerando tudo, foi muito mais fácil do que eu achei que ia ser. Mas muito mais caótico e muito mais alto. Não sei exatamente com o que estava preocupado já que quando a banda é boa meu trabalho é muito fácil. E eu tinha 3 bandas boas.

             No fim de tudo, para coroar uma noite especial, sobe todo mundo no palco. A Lucille e a Black Birds com o Caldo no meio. Meus amigos, e na maioria dos casos, meus heróis. E de repente pareceu que minha única função ali era ajuda a fazer aquele pequeno pedacinho de história acontecer.

             Foi uma noite daquelas que ficarão pra sempre na memória. Agradeço ao Fher, pela confiança, ao Nick e ao Zaca pelo profissionalismo, o Kiko pela compreensão e pela ajuda quando o bicho pegou. E as bandas, o Aguina, o Bitoca, o Leco... por tornarem um trabalho que deveria ser monótono e cansativo na coisa mais divertida do mundo.

               Eu disse que era uma mesa de som.? Pra mim ela sempre vai ser como um vídeo game maior. Fica a sensação de missão cumprida e a lição do maestro Nino Henz: "Fica esperto, tudo pode acontecer a qualquer momento"


Um muito obrigado a todos, de coração. 
Foi um privilégio.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Satolep continua hospitaleira

         Adoro planejar porque gosto da sensação de estar preparado. Saber o que fazer me deixa livre para pensar em outras coisas enquanto me jogo sem  me preocupar comigo mesmo. Mas isso não quer dizer que eu não me preocupe com os meus. Numa quinta feira sem eira nem beira, uma confissão me pega de surpresa. Não por ser novidade, mas porque sei o quanto é difícil. Não julgo, até porque meu contrato de trabalho deixa bem claro que essa não é minha função. E é engraçado me contarem uma história que eu conheço tão bem com personagens diferentes. No fim, somos água teimosa. Enquanto todos vem na praia e na mansidão do mar a redenção e a paz merecida, nós teimamos em ser rio. É correndo entre pedras e se jogando nos abismos das cachoeiras que nós somos mais nós.

           Quando cheguei em casa, coloquei de novo um velho pedaço de pano amarrado no meu braço. Se me condeno à esperança, acho justo usar a esperança amarrada no braço.

         Na sexta, porto alegre e minha alma se sentindo em casa. Uma riponga péxujo cantando um sambinha me lembrou da promessa. 

           E o pampa é o sertão com outro nome. E sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso.



 

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

No reason to get excited



            Vi meus amigos tocando essa música ontem. A ordem de mudança. Vai a onda, vem a nuvem e eu sinto a água mexendo a areia sob meus pés. Hora de mudar, antes que a correnteza fique forte demais e me derrube. Ainda toco a mesma escala, mas as notas estão soando diferentes. Acordes sempre serão sensações.

              Eu nunca soube direito qual era o meu papel na letra dessa música. Gosto da fala do ladrão, mas a ideia de tentar sempre uma saída e de nunca estar tranquilo é tão a minha cara.

terça-feira, 3 de outubro de 2017

Amparo

           Eu pedalo na chuva e penso em unicórnios. Em algum lugar algum baterista toca motorhead. Seguimos. Queria que minha vida tivesse seguido outro caminho, mas respeito cada passo e entendo como cheguei até aqui. Estou onde me coloquei. Escrevo minhas linhas toscas para 2 ou 3 pessoas entenderem. Mas elas são pra mim, antes de tudo. Falar é como marcar na minha pele as palavras. E me condenar a viver conforme o que digo. Assim como me condenei à esperança. 

          Ainda chove quando estou voltando pra casa. Numa estratégia que sempre se baseou em esquivar em vez de defender, a chuva me torna praticamente invisível. Num plano que sempre se baseou num gato que sorri e fica invisível, sumir sempre vai ser minha zona de conforto.



quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Um moinho cabisbaixo

              Sinto tanto a falta da minha irmã. Sinto falta da coragem medida dela. Era medo, mas ela dava um passo de cada vez e sempre seguia em frente. E disfarçava como uma profissional. Vi ela se arrastando, vi ela saltitando como uma criança brincando com balão, vi ela chorando e vi ela rindo.  E não soube dar valor.  Tantas vezes ela foi exatamente o que eu precisava que ela fosse e quando ela precisou eu não estava lá. Queria poder me culpar, mas eu estava tão perdido na época que já acho válido eu ter sobrevivido a tudo. 

               A saudade me machuca. Quando penso nela bem forte eu choro.  Mas na maioria das vezes que eu lembro dela e penso basicamente duas coisas.  Primeiro torço pra que ela esteja bem. E segundo penso que mesmo longe, o exemplo ficou. E faço o que posso para ficar mais forte.  A marca dos sonhadores  ficou muito melhor nela do que ficaria em mim. E ela me inspira a melhorar, assim como Dulcinéia inspirou o cavaleiro da triste figura. Não peço mais perdão, simplesmente agradeço. Com tapas e colo ela foi (e ainda é) essencial na formação do meu caráter.




It's a nice day to start again.

domingo, 16 de julho de 2017

Maktub

      Tem textos que marcam minha vida mais do que as tatuagens marcam a minha pele.  Sempre que alguém fala sobre me curar eu lembro disso:
 
        "Lembre-se de que você é a doença. Você não pode ser curado porque você é a doença. Se a doença fosse outra coisa qualquer, poderia ser curada, mas você é a doença. Não pode ser curado; você é incurável. Jogue fora a doença. Jogue fora a si mesmo, sinta como se você não existisse. Crie, cada vez mais, o sentimento de ser ninguém, de ser o nada.
          Mova-se para o não-ser, porque o não-ser é a porta para o ser supremo. Quando você cessar completamente de ser, você será divino. Quando você não for, você será o próprio Deus." - Osho

          E a dor fica aqui,  como um cão de guarda. Fiel e resignada com as escolhas do dono. Ela me protege e eu faço o melhor que posso para lidar com ela. Nunca criei aspirações sobre ser divino. Mas, na minha lógica burra. eu sempre achei que se eu cessasse de ser, não doeria mais.

quarta-feira, 12 de julho de 2017

Fumando o cigarro da saudade


           Houve um tempo onde Neruda não era poesia, era a música que a gente ouvia. O acaso se mostrou salvação e o entendimento era pouco. Eu faço os melhores capetas do mundo porque precisei aprender naquela época. A sorte caminhou sozinha na praia, pareceu errado na hora, mas o tempo ajeitou tudo. Foi um tempo em que Nietzsche chorou e que compadre meu ajudava sem saber. Há a repetição que sempre outras vezes em minha vida acontece. Eu rabiscava coisas na praia sozinho pro mar apagar. Um monte de água não se importa com tamanho das letras. Problemas grandes e pequenos nunca importaram entre um nó e outro. Palavras tem peso, nunca flutuaram o suficiente.


            Não sei o tamanho da bolha, mas acho que ela precisa ficar menor. Quanto menor ela for mais gente haverá fora dela. Fora da bolha é mais fácil ser feliz.
            Quisera eu poder fazer as coisas voltarem a ser como elas eram antes... como poderiam ter sido. Mas, ao que parece, a aura violeta não tem nada a ver com olhar para trás...
 
Eu vou casar com a saudade
Numa madrugada fria
Na saúde e na doença
Na tristeza e na alegria
Quando o sono não chegar
No mais distante lugar
No deserto beira mar
Dia e noite noite e dia



sábado, 8 de julho de 2017

E nunca emergimos iguais

            Muitas vezes eu considerei que a alquimia que eu gosto de seguir é como um rio que segue certeira e direta em uma direção, mas eu já conversei vezes suficientes com os sinais para saber que a alquimia é como um oceano em uma tempestade. O aparente caos não significa nada pra quem tem coragem para mergulhar.

             O plano foi bom. Mas ¿resolveu o que tinha que resolver? Não, nem perto.

Entendo as metáforas do Barão e os pedidos de ajuda da minha senhora.
Mas ainda não entendi o que a Morte tanto quer.  

Pelo menos enfrentei tudo de frente. Ficar sozinho tem disso.
Um casaco azul que não protege o coração é minha velha armadura inútil.
Ninguém pra por a culpa. Ninguém pra resolver nada por mim.
Nas minhas escolhas está o meu poder.
E, ao que parece, o mundo não tem nenhuma intenção de considerar meu medo na equação.

              O vento sopra noutra direção, vamos com ele. Nem todo amanhecer tem gosto de doce de leite.



quinta-feira, 6 de julho de 2017

Os anos só mudaram a cor.

           Escrever é sentir  em prestações. Adiar pedaços de coisas que sentimos pra depois. Mas será que as outras pessoas que escrevem também  são assombradas por textos antigos.? Será que as palavras que os outros escrevem também voltam para assombrar quem as escreveu. 


"não consigo te deixar ir
e me perco na gangorra 
entre me agradar e desagradar
com a idéia de que você vá...
gangorra essa sustentada 
por alguma coisa entre saudade e melancolia,
cor tristeza clara."

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Anotações nos meus livros

           Já escrevi aqui em algum lugar que sempre deixei pistas sobre minhas atitudes. Uma espécie de trilha de migalhas pra quem quisesse realmente saber meus porquês. De um jeito deturpado, era como se eu me justificasse. Como se a explicação, mesmo escondida, justificasse  o que eu fazia. E, por mais que eu tente pintar esse fato com cores altruístas, sei que há uma motivação egoísta aqui. Me vangloriava de uma falsa capacidade intelectual por conseguir disfarçar e iludir. Eu tinha força para não me esconder e sabia que assim estaria protegido.  Passou tanto tempo. Consegui me confundir todo na ideia de me proteger. Proteger o que.? de quem.? Não há nada aqui dentro que eu ainda preze o suficiente para justificar um muro. Sou burro demais para sustentar a ironia que gostaria. E sou sozinho demais para brincar de independente.

            Mas tudo isso são minhas migalhas. Porque há outras coisas que eu faço e que realmente não falo para ninguém. O segredo sim me ajuda e nas madrugadas ensurdecedoras eu já não preciso me justificar para ninguém.

            Comecei esse texto citando a mim mesmo, pra terminar de um modo melhor, cito um gaúcho bem mais útil do que eu. "...há coisas que um homem não deve confessar nem a si mesmo" - Érico Veríssimo"

terça-feira, 20 de junho de 2017

El Ferrocarril

     Às vezes simplesmente é pra ser. quase queimei a largada na sexta, mas consegui guardar energia para sábado, com o acaso dando a mão de sempre.
 
      Tudo começou com um anjo perdido querendo tomar cerveja. Eu certamente largaria tudo pra ficar do lado daquela criatura alguns minutos, mas a agenda estava apertada e eu tive que sair correndo. Prometi tomar uma cerveja por ele. Acabei tomando um fardo. Cozinhar com o Kiko sempre é engraçado. Inventamos o molho idiota. em algum outro lugar da cidade havia uma festa, e pela quantidade de aqueces para os quais me convidaram, parecia que tudo ia desembocar lá. Se havia alguma maneira de reconfigurar a vida, era sendo rebocado pra uma festa randômica por 3 mulheres incríveis. Porque é sempre assim, quando está tudo errado e a beira do abismo fica sedutora demais, aparece uma mulher e me coloca de novo nos trilhos. Fico lisonjeado com a força tarefa que se armou pra me ajudar. E pra que eu pudesse ajudar também, porque a noite é uma via de mão dupla. 

      Tomo tequila demais, e isso me arrebenta. tenho certeza que o corpo todo pediria o impeachment do meu cérebro se isso fosse possível. Mas eu sempre tive pra mim que bebo bacardi pelo meu corpo e tequila pelo meu espírito. Uma festa com dose dupla de tequila era definitivamente o lugar certo.


       Seguindo a alquimia, amanhã eu vou pro uruguai. Primeiro porque vai ser a madrugada mais fria do ano e começar o inverno ao sul parece o certo. E porque merecemos Bacardi Anejo.

sábado, 10 de junho de 2017

Nunca suba escadas correndo com uma chaleira na mão

              Sempre houve uma relação entre corpo e mente. A mesma relação entre a reia e o vento na praia. Se você quer saber pra onde sopra o vento, basta prestar atenção  nas dunas. Essa relação de causa e feito é irônica, porque não é possível fugir dela. Na casa dos meus pais, eu sempre ando no escuro durante a noite. Gosto de pensar que conheço as coisas de olhos fechados. E de exercitar os outros sentidos. No meio da madrugada, eu já subi a escada correndo incontáveis vezes. E com incontáveis coisas na mão. E agora, logo agora que minha cabeça anda sem rumo e há uma dor que não é física. Eu resolvo subir correndo com uma chaleira de água fervendo. E logo hoje tropecei e caí. Ao que parece a areia não foge do vento. E meu corpo não consegue fugir da dor que estou sentindo.

       Se você colocar um animal que vive livre dentro numa gaiola, ele invariavelmente acaba se machucando tentando sair. Sem sair mais uma noite, acho que tropecei também por causa disso. Entre partituras, meu druida, notas musicais e uma ou outra obsessão, construo as paredes novas com os escombros das anteriores. O mesmo sentimento de que estou errado mas preciso ser assim. 

          Em todas a lutas, eu sempre perdi para mim mesmo...

segunda-feira, 5 de junho de 2017

A definição de tranquilo sempre é relativa

       É uma fuga, mas isso não é nada estranho. Eu sempre fugi quando me deparei com alguma coisa forte demais para enfrentar. Eu só não fujo por medo. É o velho mundo. É uma oportunidade única. Mas é uma fuga.

       Dar más notícias é difícil. Pelo menos para as pessoas com as quais me importo.

        Eu devia ficar triste, mas não me dou tempo pra isso. Um dia almoço com Deus e no outro janto com o Diabo. Segue o mesmo pedido, independente do interlocutor: Por favor, nunca me conceda descansar.

        Mais um amanhecer sem sono. O único acima faz tocar Metallica. Com raiva de mim mesmo eu pego meu celo e toco pensando na minha senhora. Espero que ela esteja bem. Espero que, no final, todos fiquem bem.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

E a cidade dorme

Ontem saí pra pedalar de madrugada e achei que dez graus estava bem de boa. Hoje a chuva resolveu entrar na festa pra ajudar.

Não é o mar no inverno, mas é melhor. A chuva e o vento gelado machucam e fica difícil respirar, mas eu pedalo mais forte. O Leonardo me dizia que era preciso ser muito burro para passar frio.

20 anos depois, no meio do melhor inverno que eu consigo fazer para mim mesmo... sou a pessoa mais burra que eu conheço

A tendinite chegou a recuar. Na fila de problemas no meu corpo, ela entende que há demandas mais importantes

O que eu mais gosto nas pessoas orgulhosas é que elas são fáceis de ler.

segunda-feira, 29 de maio de 2017

The sorrow grows bigger when the sorrow's denied

          Mesmo quando eu me sentia perdido eu sabia porque estava escrevendo. Já sentei e digitei por horas sobre histórias e coisas sem importância para fugir. Escrever é sentir em prestações e , às vezes, eu também já escrevi para parcelar coisas muito fortes que eu senti. Nas minhas palavras já coloquei minha dor, minha alegria, meu medo e minha loucura. já tentei me libertar através da verdade  e, mesmo disfarçando certas coisas, já me desnudei e me desprotegi por achar que era o certo a fazer. Em algum lugar aqui dentro eu achava que precisava dar algo para quem quisesse me machucar, porque eu também sabia ferir. Foi um plano muito inocente, mas graças a ele eu estava sempre pronto pra me defender, mesmo das coisas que eu mais tinha medo. E as verdades que eu escrevi me causaram mais problemas do que soluções, conforme era esperado.
 
            Com o tempo, fui me especializando em maquiar o que eu queria dizer com metáforas e coisas que só pessoas específicas entenderiam. Era eu brincando de ser inteligente. Fingindo que entendia de sentimentos de forma que o resultado final era o mesmo de dar um ábaco para um chimpanzé. Mesmo com a ajuda do acaso, muitos planos deram errado e eu precisei aprender a lidar com nãos, com rejeição e com hipocrisia conforme ia ajustando o curso. Sei que muito disso foi por causa do personagem que deixei existir pra me defender, mas é o preço. Gosto de pensar que fico na vida das pessoas enquanto sou necessário. Na teoria isso é muito bom, mas dói saber que mesmo querendo muito alguém na minha vida, não sou mais necessário.
 
            Eu também já escrevi porque certas coisas foram demais e arrebentaram o emaranhado mal costurado de água salgada e areia que eu uso como coração. E escrevia por manter uma esperança burra de que em algum lugar alguém poderia ler minhas palavras e dividir comigo o que eu não teria aguentado sozinho. com eu tempo eu fui desistindo de pedir ajuda por que percebi que, em algum lugar, havia alguém muito melhor do que eu em organizar o caos e que sempre colocava no meu colo exatamente o que eu estava precisando. E eu acabava me consolando, seja com carinho ou com uma surra.
 
            E agora aqui estou eu, sem saber porque escrevo, no auge da minha empatia descalibrada. ouvindo a música que a Sofia dizia que era minha muito antes de eu me identificar com ela. Um ciclo termina e um ciclo começa. Existe uma alquimia que vai guiando quem entende os sinais. Eu sempre procuro seguir esses sinais quando eles me mandam para um determinado lugar ou uma determinada pessoa. Estou com medo. Estou com o mesmo medo qua fazia os anjos e os demônios discutirem: não sei se sou bom o bastante. No fim vou fazer o que tenho feito a anos, me preparar, ter um plano e ser tão bom quanto for preciso que eu seja. Nesse mundo ou no velho.



 

quinta-feira, 25 de maio de 2017

o mesmo ritual medieval de sempre

         Já ouvi a história de lázaro ressuscitando mais vezes do que gostaria. Já carreguei mais caixões do que deveria.

           Está tudo errado. Cada caixão que vejo fechando leva um pedaço meu, mas eu recebo esse pedaço de volta quando preciso ajudar os que ficam. O único acima perdoa minha raiva porque ele sabe onde é o meu lugar. Caim matou Abel por amor e não por inveja. E aguentou o inferno  por isso. Lúcifer não foi expulso do paraíso. Ele amou tanto a humanidade e ficou com tanta raiva quando o Único Acima nos abandonou que resolveu sair do paraíso. E aguentou uma eternidade no inferno por isso. Ao que parece, o inferno é um lugar familiar para os que amam demais.

            Em todos os velórios eu lembro disso.

terça-feira, 2 de maio de 2017

Seguimos teimando

Bom é quando tu esbarra com uma imagem que transmite muito bem o teu momento.
Ou a maneira que tu idealiza o teu momento. Eu sei que a decisão não deveria ser minha.
Mas acho justo proteger os outros do meu inferno.



quarta-feira, 26 de abril de 2017

Doomed to crumble unless we grow....

         O passado volta e me assombra e todas as manhãs eu preciso enfrentar de novo os demônios que tentaram me derrubar na madrugada anterior. Estou sorrindo, mesmo sabendo que o sorriso entrega. A coisa mais difícil de se fingir é um sorriso. Mas não é como se a tempestade fosse cessar ou como se eu pudesse fechar as asas. O amanhecer é melancólico e eu só acordo de verdade por causa do gosto de chimarrão e da tendinite que me abraça. Teimar em ser sozinho tem mesmo dessas coisas: o equilíbrio entre aproveitar as vantagens da solidão e a vontade de ficar sozinho para não me sentir uma âncora na vida dos outros. Troquei um espelho que estava no meu quarto já fazia anos por um quadro. No quadro mensagens que só eu entendo - certos hábitos permanecem. É paradoxal pensar que, enquanto vivo dizendo que não me preocupo comigo,  fico deixando recados pra mim mesmo. Pensar é um processo irreversível e eu sempre me desconstruo. Sinto falta de uma pessoa e carrego, por isso, o estandarte da solidão. Sair da vida das pessoas quando não sou mais útil não é tão fácil quando eu me importo.

           Converso com as pessoas em inglês e tento reaprender o que nunca soube. Ainda existe um cronograma de estudos anotado a lápis no verso de um dos meus blocos de rascunho. A marca de café combina com o amarelado da folha. E do jeito que posso eu sigo ele pra tocar melhor e ser uma pessoa melhor. A relação de sempre.

          Releio o texto pensando que já escrevi bem melhor. Ultimamente me pergunto bastante "¿tu ainda sabe isso.?" Esqueci tanta coisa. Me boicotei tantas vezes tentando achar um caminho que não existe.

            Voltamos pro meu lugar. Voltamos ao Tool.  Voltamos ao vento. E ele sopra em outra direção.

              E no futuro, quando eu me referir a esse período, eu vou falar dele como "aquela época em que eu lia Jung e ouvia Tool"

I know the pieces fit cuz I watched them tumble down
No fault, none to blame, it doesn't mean I don't desire
To point the finger, blame the other, watch the temple topple over
To bring the pieces back together, rediscover communication

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Mapas?

          Pedalar de noite é um hábito que dificilmente vou perder. Gosto de sair sem rumo pra pedalar 20 minutos e quando me dou conta já andei quase duas horas. Às vezes passo na frente de pessoas que gosto muito. E de outras que sinto raiva. Gosto da clareza de pensamento quando o corpo está no limite da resistência. No fim acabo descobrindo que a raiva que eu sinto é de mim mesmo. Ninguém me fez nada ruim o suficiente para que eu sinta raiva. Ou a raiva simplesmente passa. Como o álcool isopropílico evaporando quando eu e o Barão acabamos desmontando uma placa de som pra limpar. Sim, continuamos tomando cafés no meio da madrugada.

E de repente, tudo faz sentido. Grandes lições de vida coladas em post-its no meu monitor

Não tenho tudo que quero, mas tenho a madrugada. E nas madrugadas eu sou mais eu.

segunda-feira, 13 de março de 2017

Sul

          Meus livros são minha fuga. Saber do que estou fugindo até alivia, mas não o suficiente. A arte da guerra. Lutando contra mim mesmo.



quinta-feira, 2 de março de 2017

Please, mind the gap!

             Gosto de andar de bicicleta pela madrugada de caxias. A cidade vazia me parece muito mais segura. E na madrugada eu me sinto em casa. Saio de casa pensando em pedalar 10km e acabo pedalando 30km. Tudo porque minhas pernas seguem curiosas enquanto eu sigo com a cabeça longe em alguma linha de raciocínio maluca. Ou alguma lembrança  que , de repente, começa a fazer todo sentido.

            Tem uma coisa, acho que posso contar sem mudar nenhum nome já que, dentre a minha meia dúzia de leitores, só a Grazi Lua sabe de quem eu estou falando. Quando eu tinha 16 anos existia a Michele. Ela não foi minha primeira vez, tecnicamente falando. Mas eu e ela ficamos por um tempo e como os dois eram suficientemente curiosos, juntos tivemos uma série de primeiras vezes de um monte de coisa que eu gosto até hoje. Enfim, a gente funcionava como casal e é lógico que eu tinha todos os motivos do mundo pra querer ficar com ela. Mas me lembro dela gentilmente me explicando que não era pra gente ficar juntos, que eu deveria investir meu tempo e minha energia em outra pessoa. Eu me sentia muito burro, porque obviamente ela enxergava alguma coisa que eu não via. E a paz com que ela falava comigo sobre esse assunto me desconcertava. Acabamos terminando e tendo alguns remembers depois, mas ela acabou me convencendo. E nos tornamos amigos. Nunca tive a chance de conversar com ela sobre as nossas aventuras adolescentes. Isso tudo aconteceu faz quase 20 anos e só agora acho que entendi o porque ela fez o que fez. Eu pedalo alguns km a mais e tudo tem sentido. Não penso no caminho, vou aonde minhas pernas me levam. A metáfora é justamente essa. 

               É impossível pedalar sem lembrar da minha psicóloga não oficial. Fico brincando de ser bipolar e sei que ela teria um termo técnico pra me xingar enquanto rola aquela análise sutil que só ela consegue.

                  Parecem pensamentos importantes, mas são só castelos de areia. Com um palito de picolé no meio.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Recomeça tudo lá fora

         A inquietação me acordou cedo nessa finaleira de carnaval e pego meu baixo para estudar. E se em 2016 fiz as pazes com meu contrabaixo, agradeço de coração a 3 pessoas. O Fernando Costa, que antes de ser um baixista foda bagaray, é um amigo daqueles que quero por perto sempre. Não que as coisas fiquem mais fáceis com ele, mas por mais que o barco esteja afundando eu sei que com ele tem mais gente pra jogar água pra fora e consertar o barco. Guardo no coração todos os shows que fizemos em 2016 e antes disso. O Robledo, que bate naquela bateria como se não houvesse amanhã e que consegue manter um sorriso enorme na cara enquanto me surpreende tocado com caixa bumbo e chipô. E a Sara, que me arrancou da minha zona de conforto e me lembrou o mais óbvio de tudo. Eu tenho que tocar feliz. E que em 3 dias me deu motivos para tocar baixo feliz por um ano.

             E a metáfora vai ficando cada vez melhor . ¿Se tenho um Virgílio para me guiar no inferno, porque não teria uma Beatriz para me guiar pelo paraíso.?



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

When I get to the bottom I go back to the top of the slide

              Cronologicamente passaram mais de 30 dias desde a última vez que escrevi aqui. Mas é verão. E o tempo passa diferente no verão. Entre fugir e olhar para mim mesmo, continuo me equilibrando precariamente. Mas certas coisas não mudam. Continuo saindo de casa sem saber exatamente o que vai acontecer. ¿Ou deveria dizer me arrastando pra fora de casa.? Ultimamente tem sido sempre assim. É como pular do topo de um prédio sem saber exatamente como e onde vou aterrissar. O acaso continua aprontando das suas. E um baixo fretless com um crachá amarrado nele está sempre ao alcance da mão quando uma música velha ressuscita. Sinto falta de tocar como sinto falta de mim mesmo.

               Acho engraçada a expressão "fazer as pazes com o passado" da mesma maneira que acho irônico quando alguém me diz "o mar lava todas energias negativas". Como se aquele aguão com horizonte distante fizesse alguma distinção entre o que achamos que é bom ou ruim. Nossas coisinhas pequenas se dissolvem no repuxo porque o mar simplesmente não vê diferença nenhuma.

               E sobre fazer as pazes, preciso urgentemente fazer as pazes com o futuro. As centenas de vezes que repeti pra mim mesmo "um homem sem um plano não é nada" justificam o fato de eu estar me sentindo um nada ultimamente.

                Ao que parece, às vezes é assim mesmo. A vida tem dessas fases que a gente pula do topo de um prédio cai gritando a cada andar "Até aqui, tudo bem".

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Contexto

O Osho é o Paulo Coelho do alto orçamento. Mas nessa época do ano faz todo sentido. ¿Não são assim todos os verões.?? Calor, partituras, suor, notas que tento tocar melhor e livros que leio com outros olhos..


sábado, 14 de janeiro de 2017

Stay hungry. Stay foolish.


           No fim da tarde de quarta, uma ligação meio sem pé nem cabeça:

- Tá fazendo o que.?
- Nada.
- Vamos pro Uruguai
- Quando?
- Hoje, mesmo esquema da outra vez, o aquece começa meia noite.
- Beleza, colo lá na madruga.

          E assim o Kiko me convida pra ir pra banda oriental com a mesma displicência de quem vai comprar cigarro na padaria da esquina. Não que a viagem seja absurdamente longa ou difícil, mas eu acabo supervalorizando quase tudo relacionado a esse pequeno pais ao sul de tudo.

         O aquece foi tranquilo. Entre doses de Bourbons e Whiskys,  conversas sobre pirâmides, relações matemáticas e invenções de Arquimedes. Ao som dos roncos do Joel. O Joel é mecânico, vendedor de ar condicionados, ornitólogo, pai apaixonado, cozinheiro e, na ocasião, o capitão da nossa viagem. Era pra ser um itinerário simples, 500 km, encher a van de ar condicionados e algumas muitas garrafas de trago, mais 500km e casa. O problema é que era uma quinta feira 12. E era óbvio que o mundo tinha outros planos pra nós.

              As sextas 13 são uma trufa de chocolate perto das quintas 12. Sabendo disso, não foi completamente inesperado chegar em Jaguarão e atravessar a ponte para descobrir que em nenhuma loja daquele fim de mundo existia o modelo de ar que a gente queria. Voltar pra casa seria um prejuízo total e rapidamente havia um plano B. Pega o GPS e traça o destino pra Rivera, com direito a atalho rally dos sertões. Teoricamente daria tempo de pegar as lojas de lá abertas, comprar e voltar. Mas eu não contava com o fato das lojas de rivera ignorarem o horário do Uruguai e fecharem pelo horário do Brasil. E depois de 900km rodados, nos atrasamos por 20 minutos.

              De novo, voltar de mãos vazias seria um desperdício, então era encontrar um hotel duvidoso e passar a noite ali. As fronteiras do Uruguai possuem uma característica interessante. Quando tu fala com as pessoas em espanhol elas respondem em português e vice versa. Mas havia um cassino, um monte de nóias e patrícias quase geladas: tudo pra dar certo. Mas na manhã seguinte descobrimos que não existia em Rivera o que a gente queria comprar. As opções estavam ficando limitadas e depois de uma ligação pro Uruguai, falei com um tal de Juan e encontrei uma solução pro nosso problema. Três horas de viagem depois estávamos entrando na república oriental pela 3 vez em menos de 24 horas. E no terceiro lugar diferente. E quando deu certo a gente meio que não acreditou. Era só ir pra casa. 




                E quando cheguei em casa, entrei no chuveiro de roupa e tudo. Entre poeira, óleo diesel e suor eu estava imundo. E ali no escuro eu repensei tudo. Mesmo com tudo dando errado, eu passei a maior parte da viagem sorrindo. Até porque, nesses momentos em que o mundo fica me empurrando pra trás, eu teimo e teimo e empurro mais forte. No meio da estrada eu lembrei da Lisi. Por causa do Chico em espanhol. Por causa da Marina de la Riva e por causa de uma música do No te vá gustar. A ferida ainda dói quando eu penso nela, mas não me impede mais de fazer o que eu quero 

                Ali, no sul do estado, o pampa faz a mesma coisa que o mar. Ele coloca o horizonte mais longe e por causa disso a gente se sente mais pequeno.  E quando a gente se sente pequeno invariavelmente começa a olhar para dentro. Ainda me boicoto, ainda minto muito e ainda sou preguiçoso, mas começo a olhar para dentro sem me odiar por completo. Começo a ter capacidade de me reconstruir mais rápido do que me destruo. Minhas asas não pesam mais. Voar, no fim das contas, é uma questão de velocidade. E sorrir é uma questão de escolha. 





Até porque depois de uma colherada de doce de leite uruguaio é impossível não sorrir.