domingo, 24 de dezembro de 2017

A volta ao mundo em quatro vinte dias

       Quando pisei aqui nos alpes, eu disse a mim mesmo: -Falei que voltaria. O velho mundo é minha melhor fuga. A França me trata como um estrangeiro e parece que nem eu nem ela estamos dispostos a mudar isso num futuro próximo. Depois de duas semanas aqui, durante a noite mais escura do ano, encontro uma cigana vendendo bolsas numa banquinha em frente ao bar que os guris iam tocar.  Na minha bagagem pra cá trouxe uma característica bem peculiar: Qualquer pessoa que me olha por 5 minutos consegue ver através da minha máscara. Isso explica como uma pessoa pode me olhar e perguntar em francês e depois em inglês: -Por que tanto desprezo no olhar? Em algum momento da conversa ela cansou das minhas respostas evasivas ou do meu tosco inglês e quando ela pegou minha mão para ler, expliquei que minha mão direita não tem graça nenhuma. Tudo de legal está na esquerda. A mão que eu me defendo. A mão que tem as marcas da minha raiva quando eu escrevo com ela. A mão que segura o Virgílio quando ele precisa tocar sozinho.

        Ali estava eu, sentindo frio até os ossos, com a lua de cabeça pra baixo e com as estrelas todas erradas no céu. Ouvindo minhas verdades em outra língua. A cara de surpresa de uma desconhecida com coisas que me são óbvias me divertiu por um tempo. Mas eu não podia fingir que o que ela me disse não tem peso.

Me desmonto e me reconstruo. A neve e a montanha vão ter que servir assim como a areia e a água salgada serviram antes. Quando olho pro céu pouca coisa faz sentido, mas quando me olho no espelho, sinto quase a mesma sensação.

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