sexta-feira, 30 de março de 2018

Pequeno

         O senhor vê, a vida é esse rio que me arrasta sem que eu saiba o que existe na próxima curva, depois da cachoeira. Num dia empresto minha alma para o Único Acima, no outro alugo ela para o Diabo.  A raiva que sinto de mim mesmo somada com a tristeza pela ruiva onisciente me motivam de um jeito incoerente. A força é inútil sem direção.

quarta-feira, 28 de março de 2018

Adultorum magna gradibus

           Eu era muito criança quando andava na igreja de São Pelegrino de olhos fechado contando a distância entre as coisas em passos. Como tinha livre acesso lá de noite, eu sabia como era importante me locomover lá dentro sem luz. De alguma forma eu pensava que ia atrapalhar alguém se acendesse as luzes. E eu deitava na Essa olhando pro teto iluminado pelas luzes da cidade sonhando em aprender latim. Eu não sabia nada sobre o Único Acima e sobre todo mundo que trabalha junto com ele, mas de alguma forma eu sabia que deveria falar com eles em latim. Hoje minha conta em passos é diferente, mas ainda paro no mesmo lugar entre a Pietá e o São Francisco. E baixo a cabeça como quem dá oi para um velho amigo. Com o tempo percebi que não precisava de palavras pra falar com quem quer que fosse. Falo certas coisas em latim mais pelo ritual do que por qualquer outra coisa.

            Fico pensando: A Dona morte sempre me ensinou muita coisa quando veio, mas percebo agora que aprendi muito mais nas oportunidades em que eu chamei muito por ela e ela não fez o que pedi. Obviamente temos critérios diferentes sobre o trabalho e sobre o que é importante, mas parece que fazer a parte sem saber do todo é inerente ao trabalho. ¿Mas o que posso eu falar sobre importância? De todos que se foram antes de mim, é irônico que eu sinta mais a perda de um gato que batizei e que anos depois dei a extrema unção; e de uma raposa que não pude salvar. Talvez isso faça sentido para alguém em algum lugar.

            Talvez tudo isso que pesa em mim me tornando errado e inadequado para o que quero seja uma coisa boa em algum outro tempo, em algum outro lugar. Talvez aqui nessa mesma igreja a Dona morte se sente ao meu lado e tente me entender, assim como eu tento entendê-la.

domingo, 25 de março de 2018

Empernados

            Infinitos planos na minha cabeça. Em vez de pensar no que quero, penso no que consigo ou no que posso fazer. E as vezes o Único Acima me usa porque precisa que as pessoas escutem certas coisas. E ele sabe que a maioria das pessoas só escuta palavras. Meu trabalho panfletando no inferno me coloca em situações que nunca imaginei estar. Talvez nos meus melhores sonhos.
              
             Eu tinha um anjo e a coisa que mais me lembro dele é o som das gargalhadas dele na minha janela. Passamos por incontáveis batalhas juntos e na derrota e na tristeza ele fazia o trabalho dele. E eu insistia em fazer o meu. Não foi surpresa nenhuma quando ele se tornou o anjo da minha senhora. E ontem, quando ela me disse que o nome dele á Arthur, eu gargalhei do mesmo jeito que ele gargalhava na minha janela. E, com minha alma rindo, eu percebi que estava no exato lugar que deveria estar. Ouso falar em merecimento. A paz que eu tanto quero está ao alcance. Naquele pequeno momento eu torci pra que o Arthur tenha gostado de ouvir minha gargalhada, assim como eu gostava de ouvir a dele nas madrugadas de caos e intensidade que nos forjaram. 

             Minha esperança está em farrapos, mas com a calma de quem sabe que tudo vai se resolver, o Arthur fez o que faz de melhor, usou a boca da minha senhora e disse como o pouco caso dos que sabem:  - Logo logo tu arruma ela.

sexta-feira, 9 de março de 2018

Cooperação

             Entrar no meu quarto e dar de cara com fotos e bilhetes que não via há meses me desarmou. Apesar deles me machucarem, não tirei nada do lugar que já estava. Em partes porque minha casa continua na mesma pessoa. Em partes porque cada vez que releio um bilhete, lembro que a melhor parte de mim ainda é capaz de sentir coisas boas.

             Fico pensando sobre tudo que aconteceu e as vezes penso que deveria ter feito tudo diferente. Mas acabo chegando a conclusão de que as coisas aconteceram exatamente como deveriam ter acontecido. O plano foi arriscado, mas necessário.

              Perco pedaços de mim que são simplesmente insubstituíveis, mas em algum lugar aqui dentro eu sei que eles vão ficar bem.Sinto um peso enorme sobre mim, mas uma frase que disse pro meu padrinho no dia do casamento do Potro continua valendo: Pode não parecer, mas tudo está exatamente onde deveria estar.

             Estou só pelo mar pra terminar de arrebentar com a minha esperança e pra reforçar as costuras do meu coração. 

Se eu não for por mim. quem o será.?
Mas se eu for só por mim.. o que serei eu.?
Senão agora, quando?