sexta-feira, 24 de junho de 2016

O cadeado errado, no lugar certo


       Eu tinha desembarcado do avião fazia dez minutos, ainda estava na função de não fazer nada suspeito e sorrir pro cara da imigração que parecia o Jean Reno. Mas não se pode fugir do que  se é, não se pode ter medo de fazer o que se sabe. E de repente, na esteira n 2 do aeroporto Charles de Gaulle,  eu e o Gigio estávamos fazendo uma gambiarra com a cadeira de rodas da Jê.

       Pega um mertô e saí numa estação que me lembrou o terminal do tietê. Um caos familiar com um pequeno problema operacional: Eu não sabia falar a língua que se falava ali, salvo 16 palavras... Entre elas a frase "eu não sabia que não podia fazer isso". Um nóia me pediu um cigarro e me senti em casa. Lembrei da Carmem: "Faça ser incrível". 

        Na Champs Elysee Paris é  mais Paris. Eu pensei em ficar triste por não conseguir passear nela à noite, mas havia uma coisa que eu percebi já na chegada. As luzes de Paris não brilham só aos olhos. E de repente fez todo sentido ter sido um francês que disse que o essencial é  invisível aos olhos. Eu sentei num banco e sorri até ficar invisível pra ver a cidade sendo a cidade. Turistas estranhos e os franceses locais caminhando na mesma calçada misturados. 

          Existem textos que independem da língua pra serem entendidos. Se alguém cantar parabéns a você em alemão  ou rezar o pai nosso em russo, mesmo sem saber uma palavra, você consegue saber do que se trata. Debaixo do arco do triunfo há uma placa com o discurso que o de Gaulle fez quando a França se rendeu para a Alemanha na segunda guerra. O discurso que marca o início da famosa resistência francesa. Não falo francês mas sei que é aquele discurso. Eu sempre fui fã do de Gaulle.. mesmo antes de saber que ele disse que  o Brasil não pode ser levado a sério.

          E visitei Notre-Dame. E sinto um certo orgulho por ter tocado Blackbirds no lugar onde a Joana Darc foi beatificada, onde o Napoleão foi coroado. Uma tonelada de história e eu querendo uma nova guia. 

         Existe um pintor chamado Eugene Delacroix. Eu poderia falar da Mona Lisa, da Vênus de Milo, da centena de japoneses e de 123 outras coisas fantásticas que vi no Louvre.. mas eu vou falar de um quadro do Eugênio da Cruz. O nome do quadro é a barca de Dante. Eu li a Divina Comédia num período muito impressionável da minha vida. E lembro do quadro de um jeito diferente.  Vi a Mona lisa da mesma maneira que eu olharia pro Paul McCartney se eu o encontrasse: É óbvio que eu conheço e sei quem é, mas nunca dividi nada com ele. E ver o quadro sobre Dante foi como rever um velho amigo, que já passou noites e noites bebendo comigo num bar me ouvindo falar sobre minha vida mal resolvida. E vi a tatuagem da Jeane como quem vê uma mágica em que o desenho se torna realidade.


          No caminho pra Sacre Coer, aprendo o que é uma basílica e como se usam os banheiros públicos de Paris. Uma subida épica e a recompensa é uma vista de toda Paris. Lá dentro, acendo uma vela pro anjo que tem tido tanto trabalho ultimamente. E ouvi a mesma gargalhada de sempre. Eles ficarão bem. Ali eu já sabia exatamente pra onde as coisas estavam indo. Devia ter rezado por mim, mas meu relacionamento com qualquer deus não se dá dessa forma. 

          Achei que podia me apaixonar por Paris, mas chegou um momento em que eu percebi que já  estava irremediavelmente apaixonado. Depois de tanto ouvir falar do Mistral, ali estava o vento famoso da Europa. E eu não estava mais sozinho. 


              Não vi a bastilha..não vi a estátua que queria ver no cemitério famoso aquele. Mas tudo bem. Da mesma maneira que eu sempre soube que iria pisar no velho mundo, me despeço de Paris com um até logo. Eu sei que vou voltar.  Não fico triste por ir embora. Fico triste por ter demorado tanto pra ter vindo.