sábado, 18 de abril de 2020

Se a música é em E, eu deveria parar de tentar colocar um F7M

     Sinto saudade da mãe da Alice. Eu ouvia ela falando dos softwares pra pilotar helicópteros que ela desenvolvia e na vontade de casar e ter uma casa com cerca branca. Havia nela uma maluquice deveras familiar. Lembro dela quando tento tocar moonlight sonata no Virgílio. Ela sempre ria da minha cara por eu não conseguir. Eu lembro dela quando coloco sonhos na geladeira. E a Alice deve estar enorme.

         Quase um ano de namoro e de repente percebo que estou organizando um levante de sonhos na casa da sogra. Admito que sinto um certo orgulho de ter conseguido. Mas, desde que me entendo por gente, minha alegria vem polvilhada de tristeza por ser como eu sou. Eu consigo as coisas e, de alguma forma,  eu penso que deveria haver outra maneira, outra forma. Às vezes é muito fácil ser eu mesmo, mas às vezes eu queria ser outra coisa. Não sei como é pros outros, mas pra mim é um inferno me ter por perto. 

          São tempos estranhos. Tudo a flor da pele demais. Está muito fácil confundir idéias com fatos. E parece que toda e qualquer decisão carrega o peso de estar inteiramente certo ou completamente errado. Li em algum lugar que a pandemia vai nos unir. Achei fofa essa inocência. O fato é que uns poucos vão ajudar, porque é o que eles faziam desde antes. Mas a grande maioria vai precisar olhar pra dentro e como não vai gostar muito do que vai encontrar, vai soltar as frustrações e tudo que está reprimido nos outros. ¿Mas o que sei eu.? Não me importo quase nada com os problemas dos outros, só resolvo eles porque eles me incomodam muito às vezes. E porque eu gosto tanto de certas pessoas que, se pudesse, sentiria a dor que eles sentem pra eles não precisarem sentir.

       Eu acho tão engraçada essa minha arrogância. Falo como se pudesse resolver os problemas dos outros enquanto digito as 4h da manhã com uma mão só por causa da tendinite e não paro de soar o nariz por causa da rinite.  Não consigo ter regras pra dormir nem me agasalhar direito e nem tocar de forma menos paranoica, ¿como poderia resolver o que quer que seja.? 

          Talvez eu simplesmente não saiba direito como me importar comigo. Talvez o sorriso que eu dou quando aponto o indicador pra minha cara não seja tão verdadeiro quanto eu gostaria.