Ao som de Froner y La Barra Brava - Canção do Abandono
_____Todos os hospitais são iguais. No térreo uma administração comum. Mulheres com o cabelo amarrado em coques e com a maquiagem carregada. A sensação de copos de plástico com café. Quando saí do elevador no 1º andar eu senti o cheiro de morte como um tapa na cara. Coloco o fone de ouvido e fico ouvindo as músicas do froner. Penso uma série de coisas para o show. Não estou nervoso, não estou com medo. Estou um pouco ansioso.
_____Na sala de espera, o Único Acima me lembra da minha total incompetência para ter raiva das pessoas ou do que quer que seja. Foram dois golpes baixos, mas ele não teria ficado no cargo tanto tempo sendo um mero cumpridor de regras moralmente questionáveis. Aprendizado de resultado. Lembranças e alguns anseios voltaram misturados com o cheiro de velas da capela do hospital, embrulhando meu estômago e me tirando das minhas divagações. A bíblia estava aberta numa página aleatória. Fui até ela e deixei e ela aberta no livro de Jó. Na parte onde a casa cai severamente e ele ainda assim mantém a fé e a esperança. Uma mulher viu o que eu fiz e eu fiquei curioso para saber qual ia ser a reação dela enquanto ela ia lendo a página que eu havia deixado marcada. Eu estava quase dormindo quando ela cutucou o meu ombro e me disse obrigado. Acho até que soei arrogante quando respondi “estamos aqui prá isso”, mas juro que foi sem querer. Foi a resposta mais sincera que eu poderia dar. E nós sabemos que a verdade soa arrogante as vezes.
_____De volta para a sala de espera, a simpatia de uma enfermeira quase me incomodou. Mas ela certamente era uma pessoa que tinha encontrado seu caminho. Eu lembro de ter encontrado um pipoqueiro que era feliz vendendo pipocas. Lembro do porteiro de um prédio no Rio, da dançarina de tango e de mais alguns raros. Coloquei a enfermeira no mesmo balaio. Ela com certeza era feliz fazendo o que fazia de sol a sol.
_____Pensei em achar uma cadeira de rodas para ficar dando voltas pelo hospital enquanto esperava, mas lembrei que estava ali como responsável. O lance era com meu pai e não com a Bel. O Peca precisa de atenção, a Bel só precisa que a gente não incomode ela. De repente volta o Peca com uma fitinha no braço e um curativo do tamanho do mundo no olho. Ele não viu um pingo de hesitação em mim, mas estou assustado com a iminente inversão de papéis. Meus pais sempre cuidaram de mim e eu sinto (muito mais do que sei) que está chegando a hora de eu cuidar deles. Talvez seja responsabilidade demais para um mero louco do signo de gêmeos.
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