sexta-feira, 1 de maio de 2015

Mas, se tu me cativas...

O fato de eu me considerar uma pessoa solitária me permitiu criar algumas válvulas de escape para lidar melhor com a solidão. Eu falo sozinho e converso com coisas que estão sempre por perto como se elas fossem velhos amigos. O exemplo mais clássico disso é o Virgílio, meu contrabaixo. O nome dele é esse por causa da divina comédia. Virgílio é o poeta grego que guia Dante pelo inferno. Eu poderia falar também do Cláudio, meu girassol...ou da Maiara, a aranha que mora no meu quarto, mas considerando que não são coisas e sim seres vivos, não é a mesma coisa.

Esses não são os únicos exemplos. Acabei me apegando a uma série de talismãs que me acompanham sempre. Não os trato como se eles fossem parte integrante de mim,mas sim como se estivessem comigo por um tempo, sendo minha companhia por um determinado trecho da caminhada. Cada um tem o seu motivo. Um anel no dedo com uma constelação desenhada me lembra de parar tudo de vez em quando para olhar as estrelas e ouvir elas sorrindo. Um terço budista no pulso me lembra da fé, do karma e de TODO o resto que o budismo me trouxe. Um Tau no pescoço me lembra da alegria de São Francisco e de que a paz é boa. E um pingente do pequeno príncipe que guardei por um tempo me lembrava do segredo da raposa ao mesmo tempo que me lembrava que eu podia sorrir e ficar invisível.

Há um tempão atrás uma prima minha morava comigo. Lembro que demorou bastante tempo até que deixássemos de ser dois completos estranhos um para o outro. Os dois eram filhos únicos e, considerando que ambos tinham seus motivos, ficávamos cada um no seu canto da casa. Numa determinada época, havia uma nuvem negra de tristeza pairando pela casa...o pai dela tinha cometido suicídio e eu estava todo torto por causa de um namoro que não havia dado certo. Não lembro direito de quem foi a iniciativa, mas chegou um momento em que a gente começou a se aproximar. E enquanto íamos nos tornando grandes amigos, a nuvem de tristeza ia se dissipando.

O tempo foi passando e os dois já achavam divertida a idéia de ter um irmão - pro bem e pro mal. Nos divertíamos e nos ajudávamos muito, mas também implicávamos muito um com o outro. Uma implicância clássica era com o que o outro estava lendo. A gente meio que tentava impor o gosto literário um ao outro e por isso quase sempre estávamos nos dando livros de presente.

Nossos horários não fechavam, então quando eu queria dar um livro pra ela, eu deixava em cima da cama dela quando ela não estava em casa. Ela fazia a mesma coisa. Era uma agradável surpresa chegar em casa e dar de cara com um livro novo. Eu estudava español na época e numa manhã cheguei em casa e sobre meus travesseiros estavam o Pequeno Príncipe  e Alice nos País das Maravilhas em español.  Do lado havia um bilhete e um pingente com a silhueta do principezinho.

"Se as coisas ficarem ruins, fecha os olhos que tu vai enxergar bem melhor com o coração. Se mesmo assim não melhorar, sorri e fica invisível. Todos aqui são loucos ."

E esse pingente ficou comigo muito tempo. Sorrir e ficar invisível realmente dá certo. Enxergar melhor de olhos fechados também. Mas agora as coisas mudaram. Não quero mais fechar os olhos quando as coisas estiverem ruins. Eu vou melhorá-las. E meu sorriso eu quero refletido em outro sorriso igual ao meu.

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