quarta-feira, 13 de agosto de 2008

É fácil apagar as pegadas; difícil é caminhar sem pisar o chão

Escrevendo ao som de: Mauro Caldart - "Quinta quase pronta"


Cheiro de vela. De água. De pedra gelada.


- É estranho te ver assim
- Tá falando do meu corpo encharcado ou da minha alma inquieta.?
- Do corpo, eu sou um simples padre, não vejo almas.
- Ninguém falou em ver. Com os olhos, pelo menos. A chuva é minha, por mais que não pareça. Ela me faz bem. Ela me lembra uma promessa que eu fiz pro mar.
- Eu não acredito que tu consiga fazer chover.
- Isso sim é estranho. O senhor acredita que aquele cara naquela cruz morreu e ressucitou depois de 3 dias e não consegue acreditar que alguém faça chover.
- Isso é um dogma.
- Prá mim isso é um migué. Mas não vamos discutir isso. Trabalhamos para o mesmo chefe. E eu vim aqui atrás de algumas respostas.
- Quer ficar sozinho.?
- Não, preciso da tua sinceridade. Se tu tivesse que me resumir em uma palavra. que palavra seria.?
- Busca.
- Tu és a pessoa mais próxima de um confessor que eu tenho, sendo assim, acho que tenho a liberdade de perguntar por que.??
- Eu te vi menino andando de motoca ali fora. Eu passei mercúrio nos teus joelhos quando você rolou pela escada de bicicleta. Depois vi incontáveis tombos de skate antes de você ficar sentado nos degraus ali da frente pensando em sei lá o que. Lembro de ti me fazendo perguntas todo topetudo antes da tua crisma. Um dia eu te vi deitado no chão de mármore olhando pro teto e eu finalmente entendi que tu estava procurando alguma coisa. E agora te vejo aqui, molhando o banco da minha igreja. Eu vejo, ou melhor eu sinto que tu ainda é aquele mesmo menino topetudo, e que mesmo que o mundo tenha baixado a tua crista a base de pauladas, tu continua procurando a mesma coisa, tu continua acreditando. Tu não ficou com medo por causa dos tombos. Eu vi aquela tua curiosidade em muitas crianças que passam por aqui, mas eles cresceram e esqueceram daquilo que tinha tanto significado.
- Eu nem sempre acredito, mas nunca esqueço da minha busca.
- Elias.??
- Sempre.
- Preciso ir. A missa vai começar daqui a pouco. Fica aí.
- Deixa que eu rezo ela. Ainda lembro. Eu prometo não abusar do vinho nem chamar nenhum santo de "meu bruxo"
- Respeite as regras da casa. Posso perguntar uma coisa.?
- Claro. Mas já adianto. Eu vim perguntar como ir para o caminho certo depois de mais de 10000 dias andando sem rumo, mas agora isso não tem mais importância.
- Não era isso que eu queria saber. Eu só ia perguntar como é que se faz chover.
- A tua resposta e a minha estão no mesmo lugar.

E sai o Vento da Igreja, cantarolando o hino do Politheama... embaixo do mesmo céu de sempre. Não chovia mais.

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