quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Dos meus rituais

_____Encho a cuia de água da torneira, até a borda, mas sem tranbordar. É o meu jeito de começar o mesmo ritual de sempre. Esvazio a cuia e com ela molhada coloco erva dentro medindo no olho. Deito a cuia e ajeito toda erva de um lado. Encho ela de novo com agua fria e enquanto a erva absorve a água, coloco uma chaleira pra esquentar. Saio e vou cuspir a agua fria na grama, sentindo a vida nos meus pés descalços, quase sempre molhados do orvalho ou da chuva. Cuido pra agua não ferver como quem defenderia um animal ferido. Com ela quente, coloco ela na térmica por questão de praticidade. O primeiro mate sempre é o mais amargo e esse amargo está errado, penso eu. Lembro de quando era criança, se subir em árvore de erva mate e arrancar folhas e os galhos mais finos que o meu dedo. Depois amarrar em feiches de taquara. Não sei a época, mas juraria que era no mês de junho. Fazer fogueira alta, quase do meu tamanho na época. Colocar grimpas pra começar o fogo e galhos de garivova e pitangueira prá deixar a erva com cheiro. Era um fogo suave e em cima dele eu colocavca um estrado com as taquaras pra secar a erva. Depois um pilão para moer a erva. Era muita erva, diversão garantida para os meus dias da mesma maneira que os livros e os tocos de vela eram minha companhia nas noites. Depois de algusn dias, minha falta de prática e de força poderia definir o resultado como "moída grossa". De fato ela tinha cheiro e, segundo meu pai, descia mais suave do que tudo que eu já bebi.

_____Nunca tomei uma cuia sequer daquela erva que eu tanto gostei de preparar naquele inverno de chuva fina. E cada gole de chimarrão que tomo hoje desce um pouco mais amargo por causa disso. É muito estranho ter saudade daquilo que nunca tivemos.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Rotina de novo

Ao som de Coltrane - Giant Steps

_____São dias estranhos, ou deveria dizer noites. Acabo me lembrando muito mais das noites enquanto ignoro quase que por completo o que acontece durante os dias. Depois de 4 horas de sono acordo entre a euforia de poder estudar as escalas chatas e o mau humor por causa da dor da tendinite e de dormir atravessado. Estudar de dia é sempre ruim por causa do calor. E tem sempre um parente aleatório querendo que eu rache lenha ou vá até a vizinha entregar a porra da capelinha como se o mundo dependesse disso. E os mails chatos implorando atenção que eu tenho preguiça até de ler. As horas vão passando devagar enquanto minha vontade hesita e se renova a cada cuia de chimarrão.
_____Chega uma hora em que meu quarto se transforma numa prisão quase insuportável. É a hora em que a dor não me deixa mais raciocinar direito e os ouvidos já estão saturados de qualquer som. A hora em que eu olho pela janela e vejo o mundo sépia. Então eu saio para caminhar e conversar com meus anjos. Deixo minha mãe falando sozinha enquanto ela palestra sobre emagrecer. Caminho devagar deixando meus pensamentos seguirem seus próprios caminhos. Batucando com as mãos eu vou fazendo tercinas com meus passos marcando os compassos. Perto da igreja eu resolvo sentar para fumar um cigarro. A fumaça arranha a garganta enquanto eu lembro pela milésima vez que preciso manter a coluna reta quando estou sentado. Pergunto-me o porque de estar sempre encolhido, como se estivesse me defendendo de alguma coisa que nem sei o que é. Como se fosse uma cobra armando um bote num predador que sequer existe.
_____Um banho gelado por pura raiva do suor. Tenho vontade de sentar no chão quando escudo o quinto vizinho cortando a grama no mesmo dia. Estou com fome, mas a cozinha é lugar perigoso durante a novela/o noticiário. Arrisco só para praticar a arte de ignorar insultos e perguntas desagradáveis. Só queria ficar quieto, mas se não entenderam isso em 30 anos, não vão entender nunca. Com a troca do chimarrão por café eu entendo que o dia acabou.
_____E então começa a minha noite. Coloco os fone e fico tocando desligado do mundo. Desligado do metrônomo e do relógio. Só eu e um monte de livros espalhados pelo chão do meu quarto. A madrugada é minha. E as músicas que dizem o que eu sinto também são. Sei bem que esse tempo que fico tocando por tocar não faz, necessariamente com que eu seja um músico melhor, mas preciso disso para não enlouquecer. E para ser uma pessoa melhor. Quando canso, me dou ao luxo de escrever ou ler um pouco. É irônico que doa para tocar mas não doa para escrever ou teclar no computador. Já nem reclamo de não sentir sono ou de dormir pouco ou quase nada. Há certas coisas que nem me incomodam mais depois que o sol vai embora.
_____Essa tem sido minha rotina, me perco durante os dias somente para me reencontrar durante as noites. E fico acumulando uma saudade gigantesca por que sei que quando encontro o meu amor ela se transforma em uma alegria do mesmo tamanho, se não for maior. Quando deito na cama, penso nos sustenidos e bemóis na armadura da clave, como quem lembra das pessoas que encontrou durante o dia. Ouvindo Coltrane.
_____E é assim que adormeço. Dizem até que durmo sorrindo.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Das antigas

_____Quando a gente planta uma roseira, passa muito tempo sem que se perceba nenhuma mudança na terra. Mas ninguém ousa criticá-la dizendo: “Você não tem raízes profundas” ou “Falta entusiasmo na sua relação com o campo” Ao contrário, nós a tratamos com paciência, água e adubo (as vezes amor). Quando a semente se transforma em muda, não passa pela cabeça de ninguém condená-la como frágil, imatura, incapaz de lidar com as rosas que estamos esperando. Ao contrário, nos maravilhamos com o processo do nascimento das folhas, seguido dos botões, e no dia que as flores aparecem, nosso coração se enche de alegria.
_____A rosa é rosa desde o momento em que colocamos a semente na terra até o instante em que, passado seu período de esplendor, termina murchando e morrendo. A cada estágio que atravessa – semente, broto, botão, flor - a rosa expressa o melhor de si.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

...e mais.

Ouvi os sinos e achei que tinha tempo. Cheguei atrasado, mas ainda a tempo da comunhão.

- ??
- Tu tem que dizer "o corpo de cristo."
- ...
- Eu vou ficar aqui, não te preocupa. Amém

_____... Ouvi o "Ide em paz e que o senhor vos acompanhe" do fim da missa escorado perto do sudário. Entrando na sacristia ouvi o riso sério do padre mário perguntando porque eu estava sumido. Expliquei da nova busca, contei alguns lances do meu namoro enquanto ele me olhava com um misto de orgulho e preocupação. Já tinha tomado um café, mas não pude recusar um convite para jantar na casa paroquial. No fundo eu sabia que ele estava me convidando pra não me deixar sozinho na igreja. Uma janta gostosa, com cheiro de nostalgia da minha infância, conversando sobre o shoping do mal e da reforma dos ponteiros. Depois da janta fui fumar um cigarro andando entre as flores do jardim. Pensei em ir para a praia, mas sem a Cau não teria graça nenhuma. Lembrei o que os mestres falam, em especial o Osho. Aproveitei aquele momento sozinho para olhar para dentro, verificar se está tudo bem mesmo. Não quero errar dessa vez e o caminho é mais escorregadio quando caminhamos lado a lado com alguém que amamos. É preciso cuidado. O passado está sempre ali, pronto para nos assombrar a cada brexa que damos. Sempre há um anjinho triste no nosso ombro disposto a nos lembrar dos nossos piores momentos. É preciso coragem para confiar. E eu, que tanto debatia sobre o significado de acreditar e saber, agora me divirto aprendendo a confiar em mim mesmo e nos outros. Não é fácil, mas é daquelas decisões que muda tudo. Que permite reconstruir nossos sentimentos sem medo dos escombros de tudo que caiu. Quando me dei conta, já tinha pedido a chave da porta e lá estava eu deitado no mármore frio do chão da igreja. Tudo para deixar os pensamentos livres, para olhar para os meus demônios sem medo. Para poder chamar o São Franscisco de Xicão e ouvir meu latim tosco ecoando naquelas paredes tão minhas, tão libertadoras. Pensei em me confessar, e ri leve pensando em como é mais fácil viver sem ter que ficar escondendo um mundo de coisas. Assim tem sido minha vida: sincera e intensa, crua e na cara. Sem as meias verdades ou joguinhos de manipulação que tanto me entretiam. Nessa parte tenho que agradecer a Cau, se não fosse por ela, eu nunca teria me encontrado. Ainda estaria perdido sem rumo entre um fracasso e outro, tentando sempre me destruir no processo. Ironicamente, naquela época eu sabia, por isso não precisava acreditar. E agora eu acredito, justamente por não saber. Não ouso traçar planos, mas ouso querer e querer mais. A minha vontade é maior e é notório que eu amo de um jeito kamikaze. Ainda mais me apaixonando um pouco mais a cada dia.

No fim, não está tudo melhor pelo fato de eu ter amigos de valor ou uma namorada que amo muito. Pelo fato de eu ter um contrabaixo que é a melhor espada no melhor trabalho do mundo. Está tudo melhor porque eu estou exatamente onde deveria estar e ao lado de quem deveria estar. E SOU exatamente como posso ser. Tudo que posso ser.

Devolvi a chave e roubei uma rosa do jardim. Um sentimento de gratidão enorme. Um abraço bom, como se toda a história estivesse ali comigo.
Gracias por todo.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Frases simples e despretensioas sobre grandes assuntos:


"Quando se fica muito consciente na execução de um determinado processo, ele deixa de ser automático e fica impossível sentí-lo."


- Mauricío Pezzi
Barão da Resenha. Arquiduque do campo harmônico. Um amigo de valor.

E queria tocar piano



She comes in colors ev'rywhere;
She combs her hair
She's like a rainbow
Coming, colors in the air
Oh, everywhere
She comes in colors

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Tylenol é pátria

Um ciso a menos,
Uma palavra a mais num site.
O sorriso bobo vem daí.
Ele é maior que a dor.
E a dor não incomoda tanto
O gosto de sangue na boca é pior.
Eu dou a volta com sorvete.
Mesmo longe, ela cuida de mim.
Eu guardo bombons.
Sono, fome e saudade.
Nada pode tirar a beleza
De um rosa quando acorda.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Vai, potro sem dono...

Ao som de Rolling Stones - She's a Rainbow

_____Quando um caxiense vai para curitiba sempre rola aquelas despedidas como se o cara fosse para a Europa Oriental, mas enfim, já que o Potro pediu, segue um breve relato daquele que foi o final de semana mais roots do ano até então. Ele começa na quinta, num show no boteco 13. Fora uma música em que, contrariando todas as expectativas, os vocais estavam afinados, não aconteceu nada assim tão absurdo.

_____O final de semana seguiu redondinho redondinho. Desde quinta e terminando segunda de manhã. Estou com preguiça prá falar dos fatos, até porque, aconteceu de tudo. Dos fatos fica uma inegável constatação. Eu sempre disse que a única função do àlcool é tirar as amarras que a própria pessoa se impõe. Devido a isso pessoas ruins ficam piores bêbadas. Pessoas tristes ficam mais depressivas bêbadas. E pessoas boas ficam ainda melhores. Entre tequila e rum (sim, eu fiz as pazes com o bacardi), bebi muito e me diverti muito. E tudo sem dar trabalho e sem sugar a energia vital de ninguém. Pude fingir que era um cachorro porque não há trago que me tire minhas metáforas. Não tenho raça e muito menos pedigree. Sou um jaguara, mas tenho dona. E ela cuida muito bem de mim.

_____Teve um campeonato de rugby no domingo. Quem diz que rugby não é violento, nunca jogou ou viu um jogo. O sol do meio dia me deixou todo torrado (Deus abençoe a Loção pós sol).Teve também um X de quase uma tonelada com o inferno dentro (Mega Burguer for life). O controle remoto da TV na nossa mesa e ninguém achou sequer estranho.

_____A coisa vai indo assim. se a felicidade é a sensação de que pertencemos a um lugar, todos os pequenos fatos que eu não escrevi por pura preguiça nos fizeram muito felizes. Eu tenho duas asas e cada uma delas aponta para um lado, mas sem meus amigos seria apenas um desenho. Sem o meu amor seria apenas uma cicatriz.

_____Potro, te cuida naquela cidade estranhamente familiar e com uma chuva que eu não vi em nenhum outro lugar. Não peça cacetinho nos mercados e entenda que cachorro quente tem vina dentro. A frase "Que béra tesão" até possui algum sentido. As piadas de gaucho são pura inveja e as minas se derretem com um "Bah". Tudo tende a dar certo desde que tu entenda a função estratégica de uma fuga. Por último, mas não menos importante, por favor, não encha os comentários do meu blog com uma dissertação sobre "mimimi, eu não estou fugindo". Te curto pra caralho e todo mundo vai sentir a tua falta por aqui. O resto não cabe em palavras.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Não tem mais volta

Ao som de mim mesmo

_____Eu não sei se estou pronto. Em alguns momentos eu fico ouvindo determinados pedaços repetidamente, como pediria para um cientista me explicar melhor física quântica. Às vezes simplesmente não entendo nada, como um gato ouvindo uma palestra sobre computadores. O fato é que, mesmo quando entendo pouco, estou sentindo muito. É como aquelas aulas com o Barão em que ele pacientemente me ensina sem nem sequer falar em música. Lembro de algumas jam sessions que fiz, nas quais eu SENTIA que estava fazendo algo importante. Nostalgia com cheiro de incenso do sol.

_____O Merônio e o Coelho, meus primeiros professores de música, falavam muito sobre eu eventualmente acabar tocando jazz. Nunca entendi, nem naquela época e nem agora. Não sei se estou pronto, mas sei que quero. O fato de eu me sentir extremamente miséravel com o que estou fazendo nas bandas que eu toco é um incentivo a mais para dar o próximo passo. Eu posso até pensar como um músico de jazz, mas me falta vocabulário, me falta técnica, em suma: não sei tocar jazz. AINDA.

_____Escrevi e escrevi e continuo tentando aprisionar em palavras o que a música fala por si só de forma livre. Peço desculpas. Eu só queria dizer duas coisas:


Kind of Blue
e
A Love Supreme

Baixem e ouçam. Vale cada segundo.

A love supreme

_____Os dias tem sido conforme o previsto: quentes e com o chão forrado de partituras. As noites cheias de pensamentos. Entre uma escala e outra eu vejo as fotos que vão aparecendo no meu desktop. O sorriso é iminente. Ando preocupado, quase inquieto, mas são coisas do meu trabalho. Toco numa banda na qual eu não toco com as pessoas. Eu toco APESAR deles. Isso me incomoda. É a parte do meu trabalho que mais me incomoda. Fora isso, resenho na cara mesmo porque eu não me importo. Observando o meu histórico, é fácil ver quem e o que me trouxe até esse dedo indicador apontado para minha cara. Só quero tocar músicas boas com músicos ao invés de palhaços. Sem pastinha, sem repertório baile, sem vergonha alheia. Não estou pedindo muito.

_____O concurso de rajada do ano segue.