terça-feira, 22 de novembro de 2016

Chicotadas entre o velório e o enterro


       Entrei no velório com uma pequena flor na mão. Não coloquei ela junto com todas coroas de flores, mas deixei ela sutilmente escondida debaixo do tapete. A Dona Morte gosta desses meus pequenos caprichos. Da mesma maneira que guardo moedas para pagar um barqueiro, entrego flores para que ela seja gentil com os que leva até o outro lado.

         Cada vez que vejo um caixão se fechando, morre um pedaço de mim. Cada vez que ouço o barulho da madeira raspando no cimento quando colocam o caixão na sepultura, morre um pouco daquilo que me faz humano. Não acredito em ressurreição, mas que haja sempre esperança e força pra fazer renascer o que a morte nos tira. Que as lembranças desse ritual medieval que é o enterro não sejam capazes de macular as lembranças de uma vida de alegria. Que a dor desse momento não chegue sequer a balançar o amor e o laço que nos une àqueles que foram.

      Muita besteira se fez e se disse em nome do Único Acima, mas no livro dele, ainda encontra-se sabedoria:

           "As almas dos justos, porém, estão na mão de Deus, e nenhum tormento os atingirá. Aos  olhos  dos  insensatos  parecem  ter  morrido;  sua  saída  do  mundo  foi  considerada uma desgraça e sua partida do meio de nós, uma destruição, mas eles estão na paz.  Aos olhos humanos parecem ter sido castigados, mas sua esperança é cheia de imortalidade. Tendo  sofrido  leves  correções,  serão  cumulados  de  grandes  bens,  porque  Deus  os pôs  à prova e os achou dignos de si. Provou-os como se prova o ouro na fornalha, e aceitou-os como ofertas de holocausto; no  tempo  do  seu  julgamento  hão  de  brilhar,  como  centelhas  que  correm  no  meio  do  canavial; vão julgar as nações e dominar os povos, e o seu Senhor será rei para sempre. Os que nele confiam compreenderão a verdade, e os que perseveram no amor descansarão junto  a  ele.  Pois  a  graça  e  a  misericórdia  são  para  seus  santos  e  a  visita  divina  é  para  seus eleitos. "

        Muita força e muita paz para os familiares e amigos da Dona Lia, em especial para o Robledo, esse irmão que a vida me deu.

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