segunda-feira, 6 de maio de 2013

Se o problema fosse qualquer outra coisa



Antes da segunda sinaleira eu já sabia que a viagem até aqui seria de discussão comigo mesmo. Eu notoriamente raciocino melhor andando a mais de 130km/h. O que já aprendemos é que os outros motoristas não lidam muito bem com coisas se movimentando rápido demais e as vezes eu precisava coçar o olho que insistia em marejar. É difícil ter noção de profundidade com um olho fechado. E eu ia sentindo o cheiro que havia sobrado nas minhas mãos, como que espremendo um último restinho de felicidade. Curva atrás de curva eu me sentia fugindo. Como se eu não soubesse que  fugir não tem nada a ver com localização ou distância geográfica. Como se eu não pudesse ver o remoroso me perseguindo cada vez que olhava pelo retrovisor.

Devo ser o pior mentiroso do mundo. Vivo mentindo sobre pequenas coisas: números, datas, horários, essas coisas que os adultos adoram saber para fingirem que tem algum controle. E de tempos em tempos eu tenho a chance de alcançar o que mais quero ao preço de uma mentira. ¿E o que o idiota faz? Vai lá e insiste em falar a verdade e se arrebenta todo.  E fica se sentindo a bactéria que caiu da baba do cavalo figurante de bandido que morreu no filme. É tão irônico isso. Fazer o certo e se sentir mal por fazê-lo.

Já faz mais de um ano que eu queimei tudo que já havia escrito. Não foi fácil arrancar tudo aquilo aqui de dentro. Não foi fácil me trazer de volta. O fato é que a ferida nunca cicatrizou direito. Na hora eu não percebi, mas mesmo queimando tudo, uma pequena sementinha não queimou. Ela ficou na minha ferida e, ali nasceu um pequeno brotinho. Eu nunca dei muita bola, mas aquela semente foi colocando raízes que agora não podem ser arrancadas. Cada vez que a tristeza vez elas descem mais fundo. Um simples pensamento as vezes muda uma mente para sempre. E agora que eu sei como fugir de verdade, nunca mais vou poder fingir que não sei o caminho.

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