Semana passada olhei para um sapato no meu pé e balancei entre desprezo e orgulho de mim mesmo. O que estou fazendo vai me destruir, mas talvez, depois de tudo, com a ajuda dela, eu consiga construir uma pessoa melhor dos escombros que sobrarem. Uma pessoa que tenha o mínimo de aptidão em ser feliz. E que eventualmente se perdoe. E que pare de voar mais estabanado que uma barata em pânico. Semana passada também prometi pro Tiago que iríamos conversar depois da próxima chuva. Porque agosto segue agosto. E choveu. E aqui estamos nós.
Deu trabalho subir naquele palco fingindo que estava tudo bem. Fiquei divagando coisas sem nexo antes da primeira música. Um palhaço do circo sem futuro abaixado segurando o Virgílio e rezando o pai nosso em espanhol. Fazendo perguntas que já na hora eu não queria saber a resposta. Quando voltei parecia que tinham jogado minha alma de volta no meu corpo. E não foi um arremesso sutil. Num segundo um pensamento passa pela minha cabeça e agora eu vou gastar 3 páginas para tentar explicá-lo. É complicado, mas eu vou tentar mesmo assim. Se não me abro com os outros, me abro aqui.
A minha mente é orientada pelo esforço, pela ação, obcecada por atividade. Quanto mais ativo eu sou, mais meu ego pode ser realizado, mais eu posso dizer "EU". Esse ritmo frenético é, basicamente, alimento para minha personalidade egoísta. E então eu corro, quase como se minha vida dependesse de estar sempre numa atividade frenética. Não durmo direito, não páro mais. Pode parecer paradoxal, mas quando faço isso até chegar a um exagero extremo onde todo e qualquer movimento simplesmente cessa, a fôrma é jogada fora e uma catarse acontece. E eu vislumbro um mundo que não é feito de esforço. Um pequeno pedaço de tempo e espaço onde me sinto em paz e as vozes na minha cabeça calam a boca. E o palco ainda é o melhor lugar para isso acontecer.
Eu poderia falar sobre não conseguir ou não me importar mais em ser invisível em cima do palco, já que me viram chorar. Mas nada disso importa no longo prazo. Amavelmente o senhor me ouviu. Não cheguei nem perto de falar o que queria, mas engatinhar na direção certa parece ser melhor do que correr na errada. Aqui dentro, eu estava acumulando loucura.. Um loucura que que todos nós temos. Ninguém é normal. Por trás da pretensa normalidade, esconde-se um louco, um anormal. E essa loucura perturbava minha percepção, perturbava tudo. Era um veneno que precisava ser libertado para que eu começasse a me sentir em casa comigo mesmo. Termino agosto com o mesmo texto, mas dessa vez, não como uma escusa para ser como sou e sim como um lembrete para que eu me torne bom, apesar de mim mesmo.
Eu sou o ar em movimento, a revolução apressada, apoiada no tripé mais forte. A melodia que soa desafinada no contratempo. A memória que discute com o orgulho. O arrependimento e a arrogância que voltam pintados de vermelho na minha hesitação. Sou um problema grande com uma solução simples. Sou uma resposta curta e óbvia. Sou o jardineiro que aprende com as flores. O amigo revoltado do Tempo. O Palhaço do Circo sem Futuro. O publicitário que lembra do juramento, o músico que fala tropeçando nas notas e que busca o silêncio. A testemunha que olha tudo sem se envolver. O ser humano que fica comovido. O anjo que se acha incapacitado para o emprego.
Eu trabalho com conhecimento e com corações, considerando ambos fundamentais. Evito pessoas pela metade, elas invariavelmente me fazem mal. Posso consertar qualquer coração, menos o meu. Balanço muito, e também me sinto balançado. As pequenas chamas e as grandes fogueiras me conhecem bem.
Sou o suor e as lágrimas, o medo e a compreensão. A dor e um pouco de alívio. A coragem e um muito de loucura. Sou tudo que posso ser, e ninguém pode pegar o Vento, a não ser que ele queira ser pego. Sou o olhar inocente de uma criança. Meu escudo quebrado e minha espada sem fio. Sou o amor, a fé e a esperança que carrego pendurados em mim. A vida pode ficar melhor comigo, mas você ficará bem menos confuso se não me conhecer como eu sou. Porque, uma vez que a gente se conheça, nossas vidas nunca mais serão as mesmas.