segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Depois fica óbvio

Demorei pra postar algo porque estava revisando um dos 3 únicos textos que eu me orgulho de ter escrito.



Traição


Posso te roubar um beijo.??

Apenas um beijo

Chovia muito... e ela lembrou do namorado.

Não sabia onde ele estava. Estavam um pouco distantes naquela semana. 

Depois tudo voltaria ao normal. Nada demais.

Na noite passada havia sonhado que abraçava muito alguém.

Passou o dia com a sensação do vazio de um sonho sem rosto.

O que sentia pelo namorado era intenso demais. Como a chuva que estava caindo. Nunca o trairia.

Intensidade. Ele também sentia isso.

Ele tinha essas milhares de paixões intensas, que voltavam do passado em conversas que ela se unhava para não vomitar.

Era mais intenso do que ela suportava. Intenso ciúme que ele jamais entenderia.

Toda vez que havia um silêncio ela pensava: deve estar faltando a tal intensidade, aquela que ele sempre conta, aquela que vai acabar matando a minha.

Quietos telefones, quietas promessas e paciências. Quietos abraços em sonhos sem rostos.

Depois lembrou do pai vendo a foto dele: é muito homem para você minha filha.

Como assim.??

Muito esperto, muito vivido. Arrume um garoto.

Um garoto.

Garotos nunca davam trabalho. Sempre calavam 'as suas colocações perfeitas de mentira e fuga.

Para ele não, tudo não passava de desculpas de aleijado.

Ela e suas muletas.

Ele chutando todas para bem longe. Ela parada num momento.

Será que consigo continuar sem elas.?? Andando torta atrás dele. As vezes se arrastando.

Ela sabia do poder frágil que os garotos exerciam nela.

Garotos nunca dormiriam eternamente, nos minutos em que ela acordava para sonhar que estaria ali pra sempre.Garotos não seriam respeitados fazendo o exato oposto do que ela faria. 

Garotos jamais teriam vivido o suficiente para corrigí-la e entendê-la numa mesma fração de segundo, com olhares de reprovação e adoração num mesmo olhar.

Garotos apaixonados fariam de tudo para ela e esqueceriam de ser tão eles.

Garotos seriam mais ela porque ainda não eram eles. Nada admiráveis. Nada homens afinal.

Só um beijo. Na chuva. Um garoto.

Ela lembrou de outra intensidade. Da saudade mais filha da puta que já sentiu de alguém  e do telefonema que recebeu dele.

Lembrou do tamanho cruel  que o mundo desconhecido havia ganhado por ele o ter conhecido sem ela. Dos todos os orgasmos que ele sentiu, enquanto ela pensava ser pecado esconder-se debaixo do edredon, sozinha.

Ele sempre na frente. Do tempo, dele mesmo, da vida dela.

Ele comprava erva. Ela fazia chá para amenizar a vida que lhe parecia ousada só de espiar pela janela.

Ele e todas as músicas. Ele e todos os lugares. Ele e todos os shows.

Ele e todos os amigos. Ele e tantas mulheres.

Ele pedindo para ela ser mais feliz, mesmo longe dele

Ele pedindo para ela ser uma pessoa mais tranquila, mesmo se irritando com tudo.

Ele pedindo para ela confiar.

Ela sabendo que cada pedaço do mundo, com vida, poderia sentir, assim como ela, desejo por ele.

Pensava em tantas intensidades, mas não entendia o coração pulando. Ela queria beijar o garoto mais do que tudo no mundo.

Ela sentiu o peso nas costas. O garoto era amigo do seu namorado. 

Ajeitou a postura e lembrou que poderia ser uma mulher muito melhor para o namorado, cansativamente melhorando para sempre.

Lembrou da chuva forte que caia num dia em que eles acordaram se gostando muito.

Te adoro, te adoro, de vez enquando te adoro muito. Ela sempre mais do que isso.

Ir embora tem que ser da vontade dos dois. Vontade dos dois era a vontade dela respeitando a dele.

Que saco um homem.!! Pensou isso na intensidade de um foda-se bem grande.

O que esse garoto quer afinal.??

Um beijo.Só isso.?? Bem gostoso, na chuva. Uma boca tão bonita. Ninguém iria ficar sabendo. Um garoto com o coração aberto.

Abriu a janela.

Fez que não o entendeu, e o beijou...


Traição é lixo.

Cada um tem seu lixo. Dizem até que se forem lá fuçar saberão mais de você.

Besteira, todos os lixos são iguais no final.

Todos os lixos são necessários. Você vai acumulando, juntando, jogando.

Uma hora você quer se livrar dele. Fazer de conta que ele nunca existiu e poluiu sua casa e sua vida.

Esquecer os dias em que manteve restos sem serventia. Restos de amor próprio enganado, assustado, inseguro.

Daí você deixa o lixo aparecer. Para se ver livre dele. Para que alguém o leve.

Levem a minha podridão daqui e façam de conta que não perceberam o quanto ela me foi útil e prazerosa antes de apodrecer.

Quando você menos esperar, já foi.

Deixou-se beijar pensando esse monte de desconexas besteiras e sentindo o momento eterno e sem futuro.

O beijo durou o tempo de mais um monte de neuroses. Assim ela media as horas. 

Mil motivos para trair. Mas sempre a mesma podridão.

Lembrou dele dizendo que isso pode acontecer. Ninguém está livre disso acontecer. Vai depender da distância em que estivermos.

Mais uma vez o obedeceu.

Aconteceu.

"Quem facilmente se ira, fará tolices", lembrou de Deus, da Bíblia, de todos os cadernos que ela já havia escrito. Do ridículo que era casar de branco.

Agora ela tinha um lixo de fazer inveja.

Agora ela tinha um passado e um presente para se torturar. Com a diferença que o lixo dele era recriado para tormento. O dela era ainda vivo e apenas começava seu processo de decomposição. 

Todos os amantes do mundo, lixos do mesmo saco.

Ela o traiu para se igualar ao mundo podre. Para ter uma história mínima que calasse o ódio frustrado de desejar o que era do mundo.

Traiu para perdoá-lo

Traiu por tanta saudade de ser abraçada pelo novo. Pelo que poderia ser perfeito e nunca desgastar.

Traiu por saudade de ser abraçada sem pressa. Sem milhares de programações que atrapalhavam o tempo infinito de um abraço.

Não traiu por desejar o outro. Traiu por desejá-lo muito. Por precisar urgente acostumar-se a existir sem ele. Nem que fosse nos braços de outro.

Traiu para ter um momento seu que não fosse roubado por ele. Estava cansada dele ser o ator principal até das histórias que ela inventava para brilhar.

Traiu por pensar que se beijasse alguém, com tanta intensidade, conseguiria sufocar por um tempo a sensação , desnecessária e maluca,  de que era traída a todos os instantes pelas pessoas que amava demais.

Surpresa.

Ela nunca se sentiu tão traída. Ela sabia, ela tinha certeza.

Um dia ira acontecer. Alguém iria traí-la.

Ela só não sabia que seria ela mesma.


quinta-feira, 27 de agosto de 2020

¿Cadê meu rivotril?

        Semana passada eu surtei e resolvi que ia escrever todo dia. Por enquanto tenho conseguido, mas nem tudo que eu escrevo eu posto aqui. Os anos passaram mas eu continuo escrevendo cartas que nunca vou mandar. E tem dias que é difícil achar inspiração. Tem dias em que os minutos e as horas passam automaticamente devagar. E a inércia pesa no fim do dia. Se eu fosse escritor chamaria isso de bloqueio criativo. Se eu fosse menos obcecado chamaria simplesmente de preguiça.

        Entre a tendinite e alguns planos esdrúxulos, há um zumbido que não me deixa pegar no sono. Mas durmo o menos que consigo. Mesmo quando os minutos são pastosos, eu me apego a eles. No lugar onde fiz meu primeiro estágio aprendi algo muito importante: As coisas não são pra ontem, mas elas raramente são pra amanhã. E um dia de cada vez eu vou me equilibrando na mesma ponte de sempre.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Uma conta a pagar

        Nem sempre é preciso de sal e areia pra costurar.  Ela pega minha esperança e costura com mais carinho do que eu jamais serei capaz. Era pra ser só um pedaço de pano. Era pra ser só uma noite. Já passou de um ano. Minha esperança está como nova. E eu amo tanto que  às vezes tropeço em mim mesmo.


sábado, 22 de agosto de 2020

Uma partitura em que o compasso não fecha

        Até alguns anos atrás eu passava por um termômetro desses de rua no caminho pra praia. E é basicamente por causa dele que meu divisor pra saber se está frio ou não é 6º. Eu tenho uma foto de camiseta na frente desse mesmo termômetro com ele marcando 6º numa madrugada de inverno. Mas houve outra madrugada em que eu fui pra praia e ele, por coincidência, também estava marcando 6º. Essa foi a noite mais fria em que eu entrei no mar. 

        Minha relação com o frio foi mudando com o tempo. Por muito tempo eu achei que podia me defender dele, mas eventualmente eu percebi que ele não podia me machucar. No fim é uma sensação igual a qualquer outra. 

        Eu já vi geada sobre a areia, mas não tive coragem de entrar no mar quando estava mais frio do que 6º. 

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Algum lugar entre o dórico e as pirâmides

        A vida me dá muitos professores. Alguns eu procuro com perguntas específicas e outros eu simplesmente observo enquanto estão perto de mim. E eles não tem ideia do quanto me ensinam. Hoje é aniversário de um deles. Parabéns Kico.


quinta-feira, 20 de agosto de 2020

Uma revolução traída

        De tempos em tempos eu encontro uma pessoa que é compartilha de uma ideia que eu tenho. Se tivesse sido o Lenin em vez do Stalin teria dado certo. Não o comunismo, mas a União Soviética. Lenin tinha o Tolstoy. Lenin tinha coração e não quis ser chamado de aço, que é o que o nome stalin significa. Em algum lugar aqui dentro eu sempre simpatizei com a Rússia. Foi tanta coisa errada desde sempre. O frio amargurado da síbéria. A revolução feita por homens com coração de meninos. Os Romanov dos quais às vezes sinto pena. Antes dos americanos criarem a NASA, eles já tinham colocado um satélite em órbita. 

        Num 20 de agosto Stalin mandou matar Trótsky, de quem sempre teve inveja. A inveja que o menino burro tem do inteligente. A inveja que o tosco tem de quem é admirado. O assassinato foi bruto como Stalin: um golpe de picareta na cabeça. A atitude de Trótsy, enquanto agonizava, foi determinada como ele fora em toda sua vida: ditou seu  testamento e também artigos sobre estratégia política. Era 1940 e a guerra estava dando trabalho para a morte. 

        Quando leio Dostoiévski e Tolstoi eu sempre penso numa Rússia diferente da que está aí hoje. Essa que os bolcheviques foram destruindo aos poucos. Eu penso na Russia que Lenin e Trótsky queriam.


"Toda revolução parece impossível até que ela é inevitável"

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Asas, né.?

       A Pandemia tá cobrando o preço. A capacidade de adaptação não pode ser desligada e eu fico aqui, confortável em ficar longe das pessoas. Admito que me sinto seguro assim e não me refiro ao vírus em si. Minha sensação preferida é serenidade, mas a ilusão de estar seguro também me faz bem. Minhas partituras e meu baixo não me perturbam mais do que eu eu consigo lidar. 

        Eu preciso de agulha e linha pra remendar minha esperança. E preciso me jogar do penhasco sem ser chutado dessa vez. Percebo agora que não ter medo é muito diferente de ter coragem. Ontem decidi voltar a escrever, um texto por dia. E estudar uma música por dia. Vamos ver por quanto tempo consigo manter isso. Mas começamos devagar. Quando se caminha para o que se quer, direção é mais importante que velocidade. É melhor andar mancando na direção certa do que correr pro lado errado

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Refém de si mesmo


"Meu papagaio estando com fome, se eu der ele come, bolacha ou pão

Tem a razão dos inteligentes, não fala tudo que sente mas entende palavrão."


E o Vento, no fim das contas, não é nada além do que meu papagaio.

domingo, 2 de agosto de 2020

Um dos meus sorriso preferidos

      Quando eu vi isso a primeira vez eu não tinha ideia do que ele estava cantando. Anos depois eu revi esse vídeo com a devida atenção. Afinal, o Zubin Mehta com uma varinha na mão na frente da filarmônica de Nova York e o Pavarotti berrando é um baita time.

         Mas o mais foda de tudo é o sorriso. Não o que ele dá quando termina, mas o que ele dá antes da última palavra. E isso faz todo sentido do mundo: All'alba vincerò . No nascer do sol eu vencerei