Praia, no meio da semana, só porque eu posso. E também porque precisava de sal e água pra consertar meus remendos. A alquimia estava me levando pro leste. E terminar o ano não seria nada fácil. Se nem o Diabo nem minha senhora estariam comigo, eu estava disposto a conseguir ajuda especializada.
Deitado na rede eu senti uma sensação familiar. O mesmo sobre salto que eu sentia quando uma das minhas aranhas estava pelo meu quarto e andava perto dos meus pés descalços. Olhei pro chão perto do meu braço e vi um escorpião. Eu sabia que não ia morrer mas que se aquele merdinha resolvesse me picar iria dor MUITO. Lembrei da história da rã atravessando o rio. Acabei pegando no sono sem mexer o braço, enquanto divagava sobre o quanto precisamos ser o que somos. O quanto queremos. E o escorpião deve ter ficado ali pra se proteger da chuva.
Na noite seguinte, depois de um dia infinito, sentei na beira da praia antes de subir a serra, ela chegou e sentou na duna um pouco mais acima, escorando as pernas em mim. E eu achei incrível a maneira como ela conseguiu fazer isso de forma não sexual. Ela começou a mexer no celular e de repente eu percebi que ela estava fazendo a mesma coisa que eu fiz incontáveis vezes: usar as palavras das pessoas contra elas mesmas.
Achei ótimo estar escuro e ela estar atrás de mim. Nunca lidei bem com pessoas me vendo chorar. Ouvir meu texto em terceira pessoa e com outra voz foi estranho, mas olhando pra trás agora, percebo que era exatamente o que eu precisava ouvir. As vezes o mundo bate tanto que a gente não consegue parar pra manter o foco no meio do caos.
Ironicamente, dias atrás eu escrevi uma carta que não mandei. Era pra uma ex namorada e falava sobre a importância de não esquecer aquilo que somos. Mais uma vez, a carta era pra mim mesmo e eu não percebi na hora.
Já no domingo, depois de tudo, quando eu deitei na cama, liguei pra agradecer. E eu tinha que descobrir uma coisa. Obviamente ela conhecia meu texto. Quando escrevi ele uns dez anos atrás ela já estava por perto. Mas eu queria saber que frase ela tinha usado pra pesquisar ele. E agora não paro de rir da minha própria arrogância: ela só precisou aqui e procurar por "me custa creer".
Eu sempre voltei pro chão caindo. E já que o céu vai ter que esperar... talvez seja a hora de aprender a pousar sem me arrebentar.