quarta-feira, 23 de setembro de 2015

O bom, o mau e o feio

           Seguem os trâmites aqui na pracinha Risca faca. Com 3 F's. Infelizmente não se trata de força, foco e fé, mas sim cheiro de Fossa, de Feijão e um Fedor indefinido. Tenho minha suspeitas que o fedor é de uma mulher que mora num banco atrás do  lugar que montamos o palco. Sim, ela mora ali. Quando chego de manhã ela já está ali e quando vou embora á noite ela continua ali. Só sai para ir no banheiro. Enfim, apesar do cheiro do local, dei uma chance para um restaurante chinês da praça. Um PF de yakisoba com pedaços suspeitos de gordura e ossos que recebiam o nome de carne e frango, respectivamente.. Fiquei surpreso pela quantidade de comida, tanto que achei que era a porção para duas pessoas. Tirei de dentro da mochila um par de hachis e comi como se não houvesse amanhã. Se o que engorda é a culpa, o que faz passar mal é o medo. O cozinheiro, um cearense engraçado, ficou me olhando enquanto eu comia. A impressão foi que ninguém nunca havia comido com pauzinhos no restaurante dele.

          Pela primeira vez desde que entrei no projeto, tivemos que tirar uma pessoa da platéia: Um velho com uma garrafa de cachaça gritando coisas sem nexo. Pensei em ficar brabo, mas não tinha como. ¿O que eu poderia esperar de um lugar assim.? "No centro do sertão, o que é doideira às vezes pode ser a razão mais certa e de mais juízo!

              Não vou falar das gírias daqui, com exceção de uma que ouvi e que me faz rir toda vez que passo pela placa da BR entre o hotel e a pracinha: BR 101 = briói

         Enquanto fico tomando chimarrão pensando na vida, acabo por fazer um estudo antropológico dentro da equipe de trabalho. É interessante observar como 3 forças contrárias e interdependentes ficam se balanceando e negociando entre si. Os 3 pontos desse triângulo ficam tentando se aliar com o objetivo de fazer um 2x1 com o ponto que sobrar. Mas o ego e as picuinhas do trabalho tornam essas alianças muito frágeis. O teu melhor amigo de manhã pode ser o fofoqueiro que está fazendo a tua caveira na noite do mesmo dia. Gosto de pensar que não me envolvo nisso, mas sei que não consigo ficar completamente de fora. Imparcialidade é um luxo que infelizmente não tenho aqui. Porém, sei faz muito tempo que nunca se é tão facilmente manipulado do que quando se está tentando manipular. E saber isso meio que me defende. E abro um sorriso gigantesco com as tentativas toscas de manipulação que presencio aqui. E as respostas que eu queria sobre mim mesmo vão aparecendo no tempo certo

         Falando em chimarrão. Sem erva mate e a doutrina de buda eu já teria enlouquecido. 

domingo, 20 de setembro de 2015

O pior trânsito do mundo

          Pequenas histórias da viagem entre Olinda e Itamaracá. Porque agora já lembro do rally dos sertões com uma certa nostalgia.

        Quando entrei no ônibus e vi o motora com o celular no viva voz discutindo AOS BERROS com quem eu supus ser a mulher dele  eu entendi rápido que não era uma boa ideia estar naquele ônibus. Mas não tive tempo de descer. Quando dei meia volta ainda na escada do coletivo, o motora arrancou com a porta aberta mesmo. 

          Na minha cabeça não pude deixar de fazer uma comparação. Alpinismo é muito mais fácil do que pegar uma busão em recife. Alpinismo tem o lance de ter sempre 3 pontos de apoio e no ônibus, mesmo com os dois pés e as duas mãos firmemente apoiadas, cada freada era uma aventura. Cada curva uma incerteza. Era como estar numa montanha russa no escuro, sem saber o que ia acontecer no segundo seguinte.

       Depois do bus, uma kombi, aquele tosco e irregular meio de transporte. Foi como resetar o jogo e colocar ele no modo hard. A estrada deixou de ser o inimigo. Agora todos os outros veículos perto da kombi representavam um acidente prestes a acontecer. O gritador parecia traficante de pé de favela, mas ele era ninja em mímica: xingava geral só com as mãos, usando símbolos que pra mim eram irreconhecíveis. mas que aparentemente eram entendidos por outros motoristas, que respondiam na mesma linguagem misteriosa.

          O centro histórico de Olinda é muito bonito, mas não é cativante. Igrejas igrejas por todos os lados em uma cidade velha cercada de asfalto. E sem mar por causa dos tubarões. Como se fosse um grande produto numa embalagem ruim e nada atrativa. Por entre os bonecos gigantes, eu encostava nas paredes e imaginava quanta coisa tinha acontecido naquelas ruas onde eu estava pisando.


           A noite de Olinda é engraçada. E bêbados são iguais em qualquer lugar do mundo. E existe uma relação de simbiose entre turistas e bêbados. Vi isso de camarote e participei de conversas engraçadas traduzindo "me dá um golinho " pra inglês.  No mais, a atmosfera risca faca estava lá para ser sentida nas entrelinhas das festas que íamos passando.

        No dia seguinte, tinha o ônibus pra Itamaracá. E teve traveco de barba. Teve um tiozinho com 4(quatro) galinhas vivas dentro de uma caixa. Teve uma senhora carregando as compras do mês. Tudo com as curvas insanas e a incerteza a cada freada. E é impressionante como ninguém se importa com o caos do trânsito ou com as maluquices dos coletivos.

         Praia de Itamaracá e o mar me mostrou uma série de matizes de azul como boas vindas. Estava aliviado por ver a água tranquila. Depois do que eu havia escrito na areia no último encontro, estava com um certo medo de ter que brigar com as ondas. Em vez disso, achei a praia lisa e a águas ordenadas. E pipas.. muitas pipas. A única briga que tive foi de pipas, mas conto isso outra hora. O mar perguntou dos meus pulsos e eu discuti com ele sobre cores. Eu estava em casa. Tudo no lugar. Ostras e eu lembrando do pequeno príncipe. Eu ganho pela cor do mar.

           A última kombi do fim de semana foi só pra me lembrar que a folga estava acabando e que a vida na cadeia estava de volta. 13 pessoas dentro da kombi onde 8 pessoas já viajariam apertados. E a galera cantando o refrão do funk sensação da praia "chupa a língua dela, chupa a língua dela." 

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Uma atmosfera riscafaca

         Estou num hotel ungido. O nome do hotel é shalom. Não posso entrar com bebidas alcoólicas nele e cada palavrão provoca uma cara feia no cara da recepção. Nas paredes mensagens edificantes sobre Deus. Aliás, considerando o número de igrejas e lugares com nomes religiosos dessa cidade, a saudação shalom é o namastê local. E quase todo mundo se chama de irmão. Eu me sinto numa maçonaria do baixo orçamento. Meu maior divertimento é ficar lendo a doutrina de buda em lugares públicos e ver as pessoas me olhando como se eu estivesse com uma revista de pornô anal na mão.

          Pelo menos, se tudo der errado na minha vida, posso me mudar pra essa cidade e começar uma pequena indústria de grades. A cada dez casas, 8 parecem uma prisão por causa de grades. E mesmo os lugares onde as pessoas deveriam circular entram nessa conta: igrejas, lancherias, padarias, farmácias e principalmente os bares risca faca. 

          O símbolo máximo desse "vida na cadeia way of life" é um lugar do lado do hotel que eu carinhosamente chamo de pracinha risca faca. O Kike chama o lugar de cariscaaf. Uns 10 botecos, um do lado do outro, todos eles com muitas grades entre vendedores e clientes.  Nessa pracinha os policiais não andam em duplas.. eles andam em grupos de dez. E os grupos ficam próximos um do outro, tipo uns dez~vinte metros. E todos com a mão na arma. A impressão é que a qualquer momento vai acontecer um tiroteio de proporções bíblicas.


       Sabe quando você vê um trecho de estrada caótico ao extremo e não consegue entender como não acontecem acidentes.? Com muita gente caminhando quase na rua e trânsito sem lógica nenhuma? Então, aqui eu faço um trecho de 8km desse jeito para ir trabalhar e para voltar pro hotel de noite. Só que aqui sempre acontece algum acidente. Estou aqui faz 5 dias e ainda não consegui fazer esse trecho sem ver uma pessoa atropelada; ou uma moto amassada ou um carro destruído. Detalhe, TODOS os motoqueiros andam sem capacete. A úncia criatura que vimos com um capacete de moto foi um piá numa bike.

         E quando vi nuvens no céu, inconscientemente estava torcendo pra chover. Acho que o nordeste faz isso com a gente. Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte que o poder do lugar.

      O trabalho continua parecendo uma montanha russa. As vezes tenho conversas geniais sem dizer uma palavra, e as vezes me vejo implorando favores pra conseguir fazer o certo. É frustrante tentar argumentar com pessoas que não querem estrar certas. Elas só querem que tu estejas errado. Mas mesmo nos piores momentos.. e talvez principalmente neles, há um companheirismo estranho na nossa equipe. Como um bando de soldados que não tem mais nada e acaba se apegando um ao outro como meio de manter a sanidade.

sábado, 5 de setembro de 2015

Seguindo meus pés


        Minha última postagem dessa primeira parte da viagem, deveria ter 3 tópicos: Paragominas, o Guaraná Jesus e a Lua. Mas eu sei que vou me estender mais.

        Paragominas: Um lugar aconchegante apeliado carinhosamente de paragobalas. Sabe aquelas novelas de época com um coronel.  Imagine isso, mas tire o Antônio Fagundes e coloque o Sarney coronelando. E em vez de uma plantação de café ou alguma lavoura aleatória, com um drama sobre escravos, imagine um grande risca faca, do tamanho de uma cidade com um pseudo shopping e uma praça hexagonal no meio. MUITA GENTE feia, pessoas andando armadas, kombis e o tradicional calor pós apocalíptico. Que lugar!

      E nunca se esqueçam que existe um lugar, um único lugar na terra onde existe um refrigerante que vende mais que coca- cola, Este lugar é o Maranhão. A coisa é tão absurda que a coca comprou o guaraná jesus pra freiar o crescimento dele. E não adianta, eu nunca vou conseguir explicar como um refrigerante ruim, que tem gosto de recheio de babalu com canela, vende mais que coca. Uma solução gaseificada com cor de detergente que tem tanto sódio que chega a dar sede. Eu mesmo não entendo. Fica como sugestão de pauta para o profissão repórter.

       Vi duas luas cheias aqui no norte. Uma numa balsa entre o Pará e o Amazonas e outra lá em Estreito. Preciso dizer que todas as vezes que eu vi o sol se pondo foi emocionante. Mas quando a lua cheia surge no horizonte aqui no norte, dá vontade de ajoelhar pra agradecer melhor o espetáculo. Vermelha, e gigante, parece que ela está ao alcance da mão.

        Mais uma última coisa coisa. Estou conhecendo muitos lugares fantásticos, mas o que me toca mais são as pessoas. No meio do sertão eu vi um menino chamando um cachorrinho de baleia. Antes de pular no Amazonas uma menina chamada Antoniele me pegou pela mão pra me dar coragem. Encontrei um grupo de americanos falando russo. Um libanês me ofereceu tabaco. Lugares são lugares e eu não quero negar a energia, a beleza ou o misticismo presente em alguns pontos, mas eu ainda acho que a verdade de cada um se reflete muito mais naqueles que nos cercam na geografia do lugar. E "Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera. O Sertão é dentro da gente."

terça-feira, 1 de setembro de 2015

O Mad Max tupiniquim sobre duas rodas


              As vezes meu face atualiza com alguma mensagem sobre blitz na pinheiro ou "não passa nada na sinimbu". Quando eu vejo isso eu me sinto como se caxias do sul ficasse em outro planeta de tão longe. Mas aí, na mesma tarde eu recebo duas coisas que fazem com que eu me sinta em casa: um desenho feito por um autista e uma mensagem do Marcelo Pedroso no whats: "guardei o Yoshi pra vc". Tinha um yoshi de pelúcia no vagão e o Marmelo sabe quantas vezes eu pensei em roubar aquele dinossauro verde. Nunca consegui.  Não que não tivessem rolado várias oportunidades, mas roubar do único chefe que tive que não me deixava trabalhar como se ele estivesse contra mim era impensável.  E no fim, com todo o caos que fechar um bar envolve, ele lembrou de mim...Muchas muchas gracias, Jefe.




            Nunca senti tanto calor na vida quanto aqui em Estreito. A relação suor x quantidade de água que se toma torna a bexiga quase inútil. Por mais água que se tome, mijar é quase impossível. E quando soltei o primeiro bah dentro do mercado, a mulher do caixa me perguntou se eu também era de Anta Gorda.  Descobri que além do caminhão que eu vi na estrada pra cá, tem vários antagordenses na cidade. Eu preciso encontrá-los nem que seja só pra perguntar que diabos eles estão fazendo aqui.

                   É impossível ficar na rua sem que a cada cinco minutos apareça um habitante local numa bicicleta ou numa moto  - ou mesmo a pé - vendendo alguma coisa: água de coco, sucos, saladas de frutas, salgados de origem (e cor) duvidosas. Outra coisa que chama a atenção são os paredões de som. Não basta colocar  muito som nos carros, é preciso que eles fiquem empilhados e sejam grandes. Ainda não encontrei uma caminhonete sem um monte de alto falantes e cornetas na caçamba.  

                   E a quantidade de motos aqui é impressionante. Chego a pensar que aqui tem mais motos do que pessoas. E em cada quadra, umas 8 ou 9 lojas de alguma coisa relacionada com motos. Mas mesmo com toda movimentação, há um ar de cidade fantasma aqui. O mormaço faz com que eu espere ver a qualquer momento um daqueles tufos de feno rolando.