Eu sempre dei nome para as coisas com as quais converso. O nome do meu baixo é Virgílio. Porque Virgílio foi o guia do Dante enquanto ele atravessava o inferno. Tocar nunca foi sereno pra mim. Às vezes eu estou no palco tocando e me sinto como quando a gente está no mar e toma uma onda grande na orelha e se esculhamba todo rolando no turbilhão de água. Eu sabia que precisava de algo que conseguisse tocar sozinho e que me segurasse quando eu estivesse prestes a desmoronar. Ou que risse comigo quando eu abro um sorriso e fico invisível no palco. Ontem fugi com o Virgílio e fiquei sentado no chão tocando baixinho. A paz não vem de graça. Acabei adiando as coisas sérias que eu precisava fazer e negligenciando as coisas de adulto também.
Acordei cedo pra colocar as tarefas em dia, mas vem a minha senhora e monopoliza minha manhã. E antes que eu me desse conta ela estava discutindo com o Peca sobre pés de Maracujá. Acho lindo eu precisar de ajuda e vocês me mandarem ela. E ela me coloca nos trilhos de novo sem cerimônia nenhuma enquanto conversa sobre os problemas dela.
E eu recarrego minhas baterias. E me sinto pronto pra tocar. Com os olhos cheios de água, mas com as asas abertas, hoje naquele palco eu não vou ser vítima.