Ao som de: Bidê ou Balde - Mesmo que acabe
_____A diferença é que, diferentemente desta jostra em que vivemos, os habitantes do mundo paralelo sabem todos da nossa existência. Não só isso, eles podem interferir, brincar e mexer com o nosso quando quizerem. Sim, lá eles também têm casas, cidades, até países, é tudo muito parecido. Mas um pouco diferente.
_____O tempo todo acontecem coisas que não são muito bem explicadas no nosso mundo. Objetos simplesmente somem, pessoas se encontram de forma inexplicável, outras se desencontram contra todas as probabilidades. E acreditamos que tudo isso se deve ao acaso. Outros, um pouco mais espertos, chamam isso de destino. Digo mais espertos porque, de certa forma, eles sabem que existe algo por trás das coisas que vemos acontecer. O erro deles, porém, é dar um sentido místico e com algum propósito para tudo.
_____Na verdade, é tudo uma grande brincadeira. Somos a principal fonte de diversão dos habitantes do nosso mundo paralelo.
_____Tive essa noite – mais uma em que não dormi - uma oportunidade de conversar com um habitante desse mundo. Não vou explicar aqui como isso ocorreu, e mesmo que tentasse, algo inesperado ocorreria com o servidor deste site. Mas fui autorizado a reproduzir aqui boa parte da conversa.
_____O sujeito, que será aqui chamado de Juán, tem 28 anos, é designer gráfico/pintor, e nasceu na região que em nosso mundo é chamada de Sibéria. Segue abaixo a conversa:
Eu - Mas me diga, Juán, como funciona essa história de mundo paralelo?
Juán - Olha, não tem muito o que explicar. É assim desde que nasci, desde que temos registros históricos. Se estamos de olhos abertos, estamos no nosso mundo. Quando fechamos, estamos no seu. Assim de simples.
Eu - Qualquer pessoa no seu mundo pode fazer isso?
Juán - Sim. Desde que se nasce. Faz parte da nossa vida, assim como o dia e a noite.
Eu - E vocês conseguem interagir com o nosso mundo?
Juán - Naturalmente. A diferença é que só conseguimos mudar algo quando vocês fecham seus olhos, ou não vêem onde estamos. E é por isso que vocês não sabem que existimos. É como vocês falam: se não há ninguém na floresta você pode ter certeza de que uma árvore caiu por lá? Bem, se nós estivermos por lá, sim.
Eu - Fascinante. Quer dizer que, na verdade, vocês formam como que uma dualidade da nossa consciência?
Juán - Isso, é bem isso. Nossos sentidos se complementam, mas são isolados um do outro. Nossa visão de seu mundo habita onde falta a consciência de vocês.
Eu - E o que vocês costumam fazer quando fecham os olhos e visitam nosso mundo?
Juán - Depende da pessoa. As crianças em geral gostam de travessuras. Tiram coisas do lugar, mudam placas de caminhos, colocam bananas e obstáculos na frente de transeuntes. Essas coisas. Mas geralmente os pais delas descobrem e voltam tudo a como estava antes. Dão uma lição de moral, de que não se deve fazer essas coisas, etc, mas no fundo morrem de rir vendo como as pessoas de seu mundo ficam confusas e não entendem como isso aconteceu, jurando que “a placa dizia para virar à direita”. Já os mais adultos dividem-se entre os benevolentes, os malvados e os experimentadores.
Eu - Como assim?
Juán - Bom, os benevolentes são pessoas que viram no fato de podermos interferir em seu mundo uma oportunidade de fazer, ao menos no mundo de vocês, a vida melhor. Fazem boas ações, como algum barulho que assusta uma pessoa e evita um acidente, calculam diversas “coincidências” que fazem duas pessoas se conhecerem, esse tipo de coisa. Os malvados, por outro lado, gostam de fazer o contrário. Derrubam vasos chineses quando uma criança está sozinha na sala, entortam quadros na casa de pessoas com transtorno obsessivo-compulsivo, até provocam acidentes. É complicado, nós tentamos evitar isso, mas é difícil controlar as pessoas. Vocês sabem disso.
Eu - E os experimentadores?
Juán - Os experimentadores são pessoas que viram nessa capacidade de observar e interferir no mundo de vocês uma oportunidade única de entender as coisas. São pessoas muito interessadas, curiosas e inteligentes. Acreditam que podem fazer grandes mudanças na história de vocês através de pequenos detalhes. E ficam observando, passo a passo, as conseqüências do que fizeram. Eles querem entender melhor o processo de “uma coisa leva a outra”, aquilo que vocês chamam de caos. Querem ver se, de fato, o bater das asas de uma borboleta pode gerar um furação do outro lado do planeta.
Eu - E chegaram a alguma conclusão?
Juán - Essa história da borboleta não deu em nada. Essa idéia foi tão divulgada que um monte de gente que não tem nada a ver com a história resolveu fazer seu próprio experimento ao mesmo tempo. As interferências foram tantas no mesmo sentido que ficou impossível saber o que gerou o quê. Acabaram desistindo.
Eu - E o que os experimentadores estão fazendo agora então?
Juán - Ultimamente eles estão mexendo mais com vocês, de formas mais sutis. Estudando o que pode ser a natureza humana.
Eu - Por exemplo?
Juán - Pequenas coisas. Detalhes. Querem entender como a vida das pessoas pode mudar através dos detalhes. Uma estrela cadente quando se olha para o céu, um bilhete anônimo deixado na calçada, um ventinho gelado quando se fecha os olhos.
Eu - Alguma conclusão?
Juán - Parece que sim. Tudo indica que esses detalhes mudam a nossa história muito mais do que se pode imaginar. Porque eles são pequenos momentos de fuga da consciência normal e cotidiana, que nos transportam por um breve instante para dentro de nós mesmos, sem aviso. E é justamente nesses momentos em que mudamos, nem que seja um pouco, nossa essência. E isso muda tudo.